Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 29, 2005

Por que não haverá crise econômica LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

FOLHA DE S PAULO



Desde que a crise política atual se desencadeou, os analistas do mercado e a própria sociedade perguntam o que sucederá com a economia. Como a crise não pára de se agravar e já atingiu o presidente da República e o ministro da Fazenda, esses analistas demonstram surpresa diante do fato de que a economia segue estável, sofrendo apenas ligeiros abalos para logo se reconstituir. Mas, em seguida, se tranqüilizam pela explicação que encontram: "A crise econômica não se desencadeia porque os fundamentos da economia são sólidos".
Análises desse tipo estão duplamente equivocadas. Primeiro por temerem uma crise econômica, que é improvável. Segundo por atribuírem a resistência da economia à sua solidez, quando ela, embora não esteja ameaçada no curto prazo, está longe de ser sólida.
A economia brasileira está passando por um período de bonança devido ao quadro econômico internacional favorável, que se refletiu na elevação do preço de nossos produtos exportados e no grande aumento das exportações. Deve-se, também, às depreciações cambiais de 1999 e de 2002, que ainda não foram totalmente anuladas pela política suicida de elevadíssima taxa de juros Selic.
Entretanto, apesar desses fatores positivos, não custa lembrar, primeiro, que a taxa de crescimento do Brasil é metade da taxa média de países similares, e, segundo, que a elevação dos juros e a queda da taxa do câmbio inevitavelmente nos levarão à reversão do quadro de bonança. Por outro lado, qualquer crise no plano internacional se refletirá imediata e fortemente sobre uma economia que, embora tenha visto seu índice de endividamento externo melhorar, continua vulnerável.
A improbabilidade de uma crise econômica não deriva, portanto, dos "fundamentos sólidos" da economia brasileira, que só existem na imaginação dos que limitam a estabilidade macroeconômica ao controle da inflação. Deriva, sim, da natureza da crise política. Essa é uma crise grave, mas não de Estado: é de governo. São as crises políticas de Estado que provocam crises econômicas, pois nelas está sempre contida uma ameaça ao regime de propriedade. A última grande crise política de Estado que houve no Brasil foi a de 1964, pois, naquele momento, após a revolução cubana de 1959, houve uma radicalização de esquerda que chegou a representar uma ameaça ao sistema capitalista brasileiro, ou pelo menos assim foi sentida. Essa crise política foi acompanhada de uma crise econômica que a reforçava, ao mesmo tempo em que era por ela reforçada.
Em 2002, houve uma falsa crise política de Estado: Lula e o PT não representavam a ameaça que os mercados supunham, mas a suposição, adotada principalmente por credores internacionais, foi suficiente para desencadear uma crise de confiança e a suspensão do crédito internacional.
Neste momento, não há crise desse tipo. Não há sequer a ameaça do populismo econômico. A crise é de governo. Alguns ministros já caíram. Estão sob julgamento das comissões de inquérito e da sociedade um certo número de parlamentares e o próprio presidente da República. Mas não estão sob risco a propriedade e os contratos nem mesmo a política econômica -correta no plano fiscal, mas desastrosa no plano da taxa de juros e do câmbio. Mesmo que haja um impeachment e que o vice-presidente, que inúmeras vezes se manifestou contra a política de juros, seja empossado, não haverá a necessária redução da taxa de juros básica antes de novas eleições.
O governo Lula, que não teve a coragem e a firmeza necessárias para mudar a política de juros quando poderia tê-lo feito (porque estava forte), não o fará agora, quando está enfraquecido e a política econômica é o único sustentáculo que lhe resta. Seu ponto de apoio é frágil porque a estabilidade macroeconômica é incompleta, mas interessa aos ricos, que continuam a se beneficiar da política de juros, e engana a classe média, que ainda está escaldada pela alta inflação de 1980-94.
A alternativa de desespero de uma guinada populista, sempre aventada pelos analistas, não faz sentido: seu uso implica subestimar um presidente que revelou fraquezas, mas que não é um suicida. Na hipótese de o vice-presidente José Alencar assumir a Presidência, poderá pressionar por alguma baixa de juros, mas ele saberá quais são seus limites políticos. Só um novo governo, legitimado pelas eleições de 2006, poderá, a partir de 2007, iniciar uma estratégia que leve o país a escapar da armadilha dos juros.
A crise atual ainda demorará a ser resolvida. A indignação da sociedade é profunda, de forma que o Parlamento terá que continuar um trabalho longo e difícil, que implicará sua própria purgação, ou seja, a cassação de um grupo significativo de deputados, mas que provavelmente não parará aí. Enquanto a crise de governo não se resolve, o mercado viverá os sobressaltos que o caracterizam, mas não há razão para temer crise econômica. Basta lamentar a crise moral que estamos vivendo.

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