PRIMEIRA LEITURA |
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Luiz Fernando Verissimo matou a Velhinha de Taubaté, aquela que acreditava em qualquer governo. O cronista não vai sentir saudades dela. É só falar com o Chico Buarque, que é seu amigo. Os dois se encontram com alguma freqüência em Paris. Se a Velhinha que acreditava até no governo Figueiredo desistiu de Lula, sempre restará o Chico. A coitada tinha a parvoíce dos crédulos. Chico, não. Ele aposta que tem um método. É talvez o maior "pensador" (rá, rá, rá) da esquerda brasileira e ainda a sua maior referência. É por isso que viemos parar aqui. A mais expressiva figura da esquerda nativa é um compositor de MPB. Dos bons quando canta o amor; primitivo quando faz arte engajada — como quase toda arte engajada quando não se é Flaubert, que tinha o engajamento dos gênios, não a frivolidade dos tontos. Aplaudo Verissimo porque costumo incentivar todo gesto que contribua para desmoralizar o governo Lula — desde que dentro dos parâmetros de certa ética pública —, mas há um quê de Saramago neste seu "assassinato". Não faz tempo, o pedregoso escritor português (ai, meu Deus!, eu não suporto Saramago, o que me rende até dissensões domésticas...) ficou bravo com Fidel. Foi por ocasião das execuções sumárias ordenadas na ilhota pelo amigo do Chico Buarque e do Fernando Morais. E tascou um: "Até aqui fui com Fidel, mas, agora, etc. e tal". O "até aqui" de Saramago tinha resistido a toda sorte de horrores que garantiram, por exemplo, a Pinochet, a justa lata de lixo da história. Vale dizer: para Saramago, antes, Fidel era digno de apoio e confiança. Um ensaio sobre a cegueira para ele sem empolação sintática. O assassinato da Velhinha corresponde ao desembarque definitivo de Verissimo, embora ele viesse expressando havia tempos certo descontentamento. Mas, se a velha senhora respirava, era sinal de que ele vislumbrava ainda alguma salvação. Agora, não. Pois é: para que se diga tudo, forçoso é lembrar que o autor gaúcho, que escreve bem e tem senso de humor afinado, está entre aqueles que ajudaram a eleger o Apedeuta. Integrou, como diria Tarso Genro, seu conterrâneo, a "grande concertação" que fez Lula o nosso salvador. É claro que nem Verissimo nem Chico entendem lhufas de economia e sabem de política não mais do que o percebido pelo senso comum. Mas tornam-se símbolos de certas crenças; suas declarações de apoio, ainda que só subentendidas, arrastam seguidores. Ganham logo o estatuto de pensadores. Aliás, uma das tragédias das democracias contemporâneas é a quantidade de, como vou chamar?, "intelectuais a meio pau" que saem por aí opinando sobre tudo. Verissimo e Chico, por exemplo, poderiam votar até no Doutor Enéas se quisessem. Democracia é para isso mesmo. O sistema tem algumas salvaguardas para tentar fazer alguma coisa de aproveitável da tragédia inevitável (mas ainda é o melhor modelo...) de todo mundo poder dar pitaco. Pois bem. Uma coisa é votar; outra, diferente, é ser irresponsável o bastante para, na prática, pedir que outros façam o mesmo só com base na reputação que granjearam em suas respectivas áreas de atuação. Sei que é inútil, mas indago mesmo assim: o que o Chico Buarque gostaria ou esperava que o Lula fizesse com a economia brasileira, por exemplo? Como o Verissimo achava que se iam conciliar as duas éticas a que o PT teria de atender: de um lado, a que rege a economia de mercado e, do outro, a que orienta a tomada do poder por um partido que conserva a tara bolchevique? Vá lá. Não precisa ter lido muito ciência política para supor que aconteceria o óbvio, não é? A economia de mercado seria contaminada pelos crimes da ética bolchevista, e o bolchevismo passaria a ser regulado pelas seduções da economia de mercado. É o tal cruzamento malsucedido da vaca com o jumento: o híbrido nem dá leite nem puxa carroça. Soma: Lula, Dirceu, Genoino, Silvio, Valério, Palocci, Buratti, Mary Corner e até Professor Luizinho. Não estou dizendo, é claro, que a democracia deva ser exercida por especialistas em política e experts em economia. Infelizmente, não pode ser assim. Infelizmente, tampouco se pode exigir racionalidade como critério de exclusão. Sei de tudo isso. Como sei, também, que, fora do regime democrático, as alternativas são sempre piores. Mas espero que a tragédia petista, ao menos, ensine à classe média intelectual a hora de fechar a boca e não se colocar como exemplo a ser seguido. Acaba dando nisso aí. Verissimo ajudou a eleger, deve estar arrependido, decepcionado, mata a sua Velhinha, consegue notas de simpatia da imprensa e ponto final. Hora dessas, Chico Buarque engrola umas três metáforas finalistas, anuncia algum "pós-amanhã" (já que os seus "amanhãs" foram todos para o vinagre), cai fora também e volta para Paris, não sem antes tomar um banho de mar no Leblon, espiado por olhos de invejosa e respeitosa admiração. Mas e o povaréu? E aqueles que eles estimularam com sua ignorância propositiva? Se acham surpreendente que o PT tenha chegado aonde chegou, então é porque estavam, para começo de conversa, mal informados. Nada do que está em curso contraria nem a lógica nem a história. Não contraria a lógica porque, não tendo produzido até hoje um miserável documento de economia política, é claro que o PT não saberia que diabos fazer no poder; tendo de conciliar aquelas duas éticas a que me referi, o resultado só poderia ser, num primeiro momento, esquizofrenia e, num segundo, desastre. E não contraria a história porque é da essência do pensamento da esquerda a abolição dos limites éticos do sistema que eles, afinal de contas, dizem querer superar. Não superam, mas deixam um rastro de desordem legal e institucional. Se vocês acharem que Chico não fica bem como substituto da Velhinha de Taubaté, sugiro a Marilena Chaui. Se ela não estiver, ainda uma vez, encompridando Espinosa, estará certamente dedicada a alguma fantasia que justifique Lula e que a justifique como intelectual. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, agosto 26, 2005
A Velhinha de Taubaté é Chico Buarque Por Reinaldo Azevedo
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