Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 28, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Lavagem de dinheiro

O ESTADO DE S PAULO

Concebido pelo governo para tentar melhorar sua imagem perante a opinião pública, o projeto da nova lei de combate à lavagem de dinheiro se destaca por uma característica peculiar. No que tem de positivo, ele mantém e aperfeiçoa os instrumentos legais criados pelo governo anterior, com o objetivo de atingir o crime organizado no bolso, mediante o controle de suas operações financeiras. Já no que tem de inovador, o projeto peca pelo absurdo de algumas medidas, que transferem a escritórios de advocacia, firmas de consultoria, imobiliárias, corretoras de valores e bancos a responsabilidade penal por atos e decisões de seus clientes.

Editada por pressão de organismos multilaterais, a primeira lei concebida para coibir operações com recursos de origem duvidosa entrou em vigor em 1998. Foi ela que criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e levou a Polícia Federal a passar a investigar dinheiro sujo. Até então, o Brasil não dispunha de uma unidade de inteligência financeira. Graças ao Coaf, cujo trabalho se limita a cruzar os dados que recebe dos bancos e da Receita Federal, a União finalmente conseguiu distinguir operações financeiras atípicas das que têm indícios de crimes.

Em seguida, vieram a flexibilização do sigilo bancário e a CPMF, o que permitiu às autoridades fiscais identificar as diferenças entre a renda declarada pelos contribuintes e o montante de suas movimentações bancárias. Em 2003, o Banco Central (BC) editou a Circular 3.098, obrigando os bancos a informar ao Coaf as movimentações superiores a R$ 100 mil. Em fevereiro último, o BC acabou com a duplicidade de câmbio - os mercados oficial e o livre - uniformizando as remessas de dinheiro para o exterior. E, recentemente, criou o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional.

Evidentemente, o BC não tem condições de saber se os recursos movimentados no mercado financeiro são provenientes de atividades ilícitas. No entanto, medidas como essas permitiram à Receita, à Polícia Federal e ao Coaf aumentar o cruzamento de dados, melhorando com isso a capacidade de fiscalização do governo. Antes delas, todas as vezes em que o sigilo de um contribuinte era quebrado ou uma Comissão Parlamentar de Inquérito pedia uma determinada informação, o BC tinha de enviar um ofício a 180 bancos, corretoras e financeiras, indagando se ele era seu cliente. Agora, as informações são instantâneas e tanto a Polícia Federal quanto o Legislativo, ao abrir um inquérito e ao instalar uma CPI, dispõem de critérios mais precisos para conduzir interrogatórios e colher provas.

Ao manter a maioria dessas medidas, o projeto da nova lei de combate à lavagem de dinheiro cria as condições para consolidar uma experiência que vem dando certo. Esse é o seu mérito. O problema está em suas inovações. Ao obrigar cidadãos e empresas a informar com antecedência aos bancos todas as transferências de dinheiro ou saques em espécie que pretendem fazer, o projeto colide com a lógica de funcionamento do mercado financeiro. Ele é incompatível com a economia globalizada, que, graças à tecnologia de comunicações, hoje opera em tempo real.

Outro ponto polêmico é a responsabilização jurídica de prestadores de serviços, por atos e iniciativas de seus clientes. Com essa medida, o projeto tentou fechar as portas para a lavagem de dinheiro feita por jogadores de futebol, artistas, donos de galerias, organizadores de feiras, criadores de gado, etc. Mas, ao obrigar advogados, consultores e contadores a identificar a origem dos recursos de quem contrata seus serviços, sob pena de serem condenados a quatro anos de prisão e pagar R$ 2 milhões de multa, o projeto atribui a esses profissionais funções que são da Receita e da Polícia Federal. Além de inverter valores, essa é uma violência contra determinadas profissões que fere os dispositivos da Constituição relativos a garantias fundamentais.

Por isso, o projeto tem de ser revisto com cuidado, pelo governo, a fim de que essas violências não comprometam seus aspectos positivos. Na democracia, em qualquer circunstância, inclusive em matéria de combate à corrupção e ao crime organizado, os fins jamais justificam os meios.

Arquivo do blog