Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 30, 2005

Luiz Garcia ‘Le cafard du président’

o globo


Disse sexta-feira o presidente Lula, comentando as atuais tribulações: "Estou chateado e sofrendo muito." Compreensível, certamente verdadeiro e sem dúvida justificável.


Mas é curioso que ele tenha escolhido essas palavras, para descrever ao país o que lhe vai na alma. Ele fala de emoções, algo extremamente pessoal, e não de atos e decisões, presentes e futuros. É o ídolo se dirigindo aos fãs. Palavras do craque lamentando, para consolar a torcida, o gol perdido no último minuto.

Não há dúvida de que o Lula que veio do sertão para ser operário, e mostrou que um homem do povo pode ser presidente da República e falar pelo Brasil ao mundo, tem méritos para ser um ídolo popular.

Não se discute: Lula é candidato a entrar para a História como o mais autêntico e bem-sucedido ídolo popular que este país já produziu.

O chato é que o Brasil, nestes dias, precisa ter, no alto da pirâmide do poder, um líder.

Líderes podem ser ídolos. Mas nem sempre: nunca a Grã-Bretanha teve um líder como Churchill — e ídolo popular ele nunca foi. (Apearam-no do poder em 1945, pouco depois da derrota do nazismo, para entregar o governo ao insosso trabalhista Clement Attlee.)

O ídolo pode encarnar as esperanças e as exigências do povo. O líder tem de administrar as esperanças e atender às exigências.

Por lhe faltar perfil de líder, até agora Lula nada fez para conseguir que seu próprio partido tivesse comportamento homogêneo e eficiente no Congresso. Vale a pena conferir seus pronunciamentos recentes. Outro dia, o presidente da República prometeu paciência em face das denúncias de corrupção oficial. Alguém deveria lhe contar: paciência é bom para esperar ônibus chegar e bebê nascer. Para fazer face a blitzes políticas, as virtudes esperadas de um líder são indignação e ações rápidas e decisivas.

Ficamos, portanto, assim: no Palácio do Planalto reside, por confissão espontânea, um inquilino sinceramente entristecido. Com boas razões — mas teria melhores motivos para dar meia dúzia de murros na mesa e começar a mandar no governo e nas bancadas que lhe devem obediência e lealdade. Fosse líder, estaria zangado, soltando fogo pelas ventas. Como ídolo, sobra-lhe o cafard .

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