Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 29, 2005

Entrevista: Marco Maciel à ZERO HORA

"A idéia do impeachment não é boa"
, senador (PFL-PE)
KLÉCIO SANTOS/ Agência RBS/Brasília




Especialista em reforma política, o senador Marco Maciel (PFL-PE) divide as atenções entre as mudanças eleitorais e a crise que convulsiona o Congresso e o governo. Ex-vice-presidente da República e tido como um dos mais lúcidos mandarins do Senado, Maciel diz que o país não pode desperdiçar a oportunidade de modificar o atual sistema partidário. Defensor de uma revisão constitucional, Maciel sonha em fortalecer as legendas em detrimento dos candidatos:

- O sistema brasileiro vincula o eleitor ao candidato, não ao partido. Um sistema correto vincula o eleitor ao partido.

Devoto de Nossa Senhora da Glória - cuja imagem enfeita o amplo gabinete, no quinto andar do Anexo I do Senado - e admirador do diplomata e líder abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco, o senador é refratário à tese do impeachment. Não esconde a angústia com as denúncias de corrupção que assombram o país, mas vislumbra um aspecto positivo no mar de lama:

- Isso tudo é negativo, decadente. Mas a história das nações é a história de suas crises. A crise também ensina.

Confira os principais trechos da entrevista à Agência RBS:

Agência RBS - O senhor tem dito que a reforma política nunca foi uma prioridade. Diante da crise, ela se torna indispensável?

Marco Maciel -
Para responder, eu teria de fazer duas colocações. A primeira: o senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) apresentou um projeto de lei para reduzir gastos de campanha e dar maior transparência a esses gastos. Isso é muito bom, e espero que a maioria do Congresso concorde. Suponho que todo parlamentar queira reduzir custos de campanha. Outra coisa: esse problema de reforma política vem desde 1977. Mas uma verdadeira reforma só pode se efetivar num clima de estabilidade no Congresso. É preciso apurar os fatos, senão vamos fazer uma reforma ditada pelas circunstâncias.

Agência RBS - O governador Germano Rigotto sugere a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva. O senhor acha que esse é o melhor remédio?

Maciel -
Não. O que talvez se pudesse fazer seria uma revisão constitucional. Uma Assembléia Nacional Constituinte teria de aprovar uma nova Constituição, que pressupõe uma nova ordem jurídica. Uma revisão constitucional talvez redundasse no mesmo resultado. A Constituição de 1988 estabeleceu que, cinco anos após a Constituição, haveria uma revisão constitucional para corrigir as falhas e aprimorar os acertos. Foi uma coisa pioneira, porque em nenhuma Constituição anterior o Brasil cogitou rever as falhas, diferentemente do que ocorre no constitucionalismo europeu. Era uma idéia boa, porque permitiria que avançássemos. É mais fácil fazer uma reforma política no início da legislatura do que do meio para o fim, quando o parlamentar já tem em vista a próxima eleição, quer saber que caminho vai tomar. Vai achar que não se pode mais mudar o rumo, pois afetará sua reeleição.

Agência RBS - A opção é o começo de 2007 com a nova legislatura?

Maciel -
Exatamente. É uma idéia que não pode ser descartada, e não podemos adiar mais a reforma política. Essa responsabilidade econômica e política é a grande questão brasileira hoje. Estamos no Brasil, temos uma democracia, ninguém discute mais isso. Até que é uma democracia robusta, mas temos de avançar no sistema político e alterar o sistema eleitoral. O sistema brasileiro vincula o eleitor ao candidato, não ao partido. Um sistema correto vincula o eleitor ao partido.

Agência RBS - Para fortalecer os partidos, uma das propostas é o sistema de lista fechada. Com isso, não se corre o risco ter sempre eleito um Roberto Jefferson, alguém que manda no partido?

Maciel -
Pode-se fazer uma Constituição na qual a opção dessa lista não seja obrigatória. O sistema eleitoral induz o sistema partidário. Para fortalecer os partidos, precisamos mudar o sistema eleitoral. Sem isso, há muita mudança de partido. No Brasil, o eleitor não fica indignado quando seu candidato troca de partido. Leva em conta a pessoa, e não seu propósito, suas idéias.

Agência RBS - O senhor não acha que as relações entre os poderes foram afetadas, com uma maior interferência do Executivo?

Maciel -
É. Vamos verificar as medidas provisórias, por exemplo. Elas afetam muito o relacionamento entre Executivo e Legislativo. Isso tudo depois que se aprovou aquela medida que tranca a pauta das Casas enquanto não for aprovada. Isso é uma interferência brutal. O legislador ficou sem iniciativa de ver aprovados seus projetos. Às vezes, alguns trabalhos ficam parados por seis meses, porque há muitas medidas provisórias para serem apreciadas.

Agência RBS - A prática da compra de votos e de apoios, que está sendo investigada por duas CPIs, é fruto da ausência de partidos sólidos?

Maciel -
Também. Uma vez eleito presidente, o cidadão discorda muitas vezes da maioria parlamentar, e se coloca a grande questão. Em lugar de se fazer um debate com os partidos de oposição, optou-se pelo processo de cooptação. Enquanto não fizermos essas reformas, não teremos boas regras do jogo democrático. Isso envolve o processo de desenvolvimento do país, porque afeta a economia. Há uma insegurança legal. As regras do jogo não estão corretamente definidas. Isso vale para o sistema político, para a economia, para as relações internacionais. O estrangeiro não sabe se tem garantias para investir aqui, se as regras se alteram de acordo com as circunstâncias. A reforma política não deve ficar circunscrita ao sistema político, mas também avançar no campo do sistema de governo, na questão federativa.

Agência RBS - A compra de deputados não é a comercialização do processo democrático?

Maciel -
Isso deve ser apurado, esclarecido. Até para que se revigorem esses valores republicanos que estão em jogo. A meu ver, essa reforma política seguirá com periodicidade.

Agência RBS - Como o senhor está vendo a crise?

Maciel -
É muito difícil ter uma visão de todos os fatos. Há sempre um fato novo. No início parecia ser uma questão dos Correios, uma coisa simples, mas agora é difícil saber como isso vai acabar. Acho que só em outubro teremos uma visão melhor, quando as CPIs tiverem algo conclusivo. Isso tudo é negativo, decadente. Mas a história das nações é a história de suas crises. A crise também ensina.

Agência RBS - O senhor acha que se pode falar em impeachment do presidente?

Maciel -
Por enquanto, não há como caracterizar culpa do presidente. Para que isso ocorra, deve haver uma caracterização muito nítida da participação do presidente.

Agência RBS - E esses rumores que começam a surgir?

Maciel -
Essa idéia do impeachment não é boa, pois pode afetar o país e o Exterior. Agora, por outro lado, estamos vivendo uma crise política, e não institucional. Não temos só que apurar, mas adotar medidas legais.

Agência RBS - O senhor disse que as atividades do Congresso estão paradas. O senhor acha que a autoridade do parlamento foi afetada?

Maciel -
Foi. De alguma forma, esses fatos todos foram deslocados para o Legislativo. E isso provocou uma certa crise de representatividade. Vamos apurar os fatos e adotar os procedimentos cabíveis em relação aos culpados. Ao lado disso, é fundamental ter um arsenal legislativo que impeça que isso se repita.

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