A essência do conflito que dilacera o PT desde que se tornou impossível varrer para debaixo do tapete a responsabilidade da cúpula partidária pelos delitos de corrupção cometidos antes e durante o governo Lula não opõe primariamente santos e pecadores, inocentes e culpados. Tampouco está longe de se limitar ao entrechoque de idéias sobre meios e fins da conduta petista no poder ou fora dele, muito menos às rivalidades pessoais e projetos políticos dos seus principais protagonistas, o presidente interino da agremiação, Tarso Genro, e o seu ex-presidente de facto, José Dirceu. Nem mesmo a reeleição (ou a sucessão) do presidente Lula está na raiz da crise. O que está em jogo no PT é o destino de sua modernização doutrinária, cuja expressão por excelência é a Carta ao povo brasileiro, de julho de 2002. Mais do que uma jogada oportunista para acalmar os agentes econômicos inquietos com o que viria pela frente depois da esperada vitória do candidato presidencial, outrora carbonário, o documento prefigurou a adesão de Lula ao princípio de que a economia não pode ser conduzida por dogmas ideológicos, mas a partir de realidades das quais pode se gostar ou não e que só podem ser ignoradas a um custo intolerável por qualquer país que aspire a um lugar ao sol no mundo contemporâneo. A fidelidade do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a esse princípio, com o pleno endosso do seu chefe e com uma determinação que surpreendeu até os mais otimistas, é a única e definitiva explicação para um fato sem precedentes na vida nacional. Diante de uma crise política desencadeada por evidências de corrupção também sem precedentes por sua amplitude e intensidade, a economia brasileira segue o seu rumo: os investidores não se retraíram, os aplicadores não correram aos bancos para sacar os recursos depositados, a produção, as exportações, o consumo e o emprego não entraram em pane. O País parece estar a anos-luz de distância dos estragos experimentados em conseqüência, por exemplo, do colapso mexicano, mal se instalara o governo Fernando Henrique. E também das tensões provocadas pela crise da Rússia e o acordo com o FMI - que colocaram em risco a reeleição do presidente naquele 1998. (A rigor, talvez ele deva a sua vitória à circunstância de que, então, Lula ainda era uma figura ameaçadora para a maioria dos brasileiros, precisamente porque ainda pregava a ruptura com "tudo isso que está aí".) Mas, no PT e na esquerda que olhou para o outro lado enquanto a História passava e continua refém do passado, a guerra continua. Nem a evidência cristalina de que o Brasil tem hoje uma economia mais forte do que a crise política - graças a um trabalho de construção institucional iniciado antes da ascensão de Lula, como Palocci teve a elegância de lembrar na entrevista de domingo - demove muitos petistas da convicção de que é preciso dar marcha à ré num processo claramente bem-sucedido, a solitária jóia desse governo sem coroa, que acumula mais erros até do que se esperava, dado o despreparo do presidente e a sua inapetência para administrar. Os que desejam apagar a única luz que não bruxuleia na gestão do País argumentam que a ética no PT foi arrastada água abaixo pela "traição" às velhas crenças do partido. Querem que se acredite também em outra patacoada: a de que a traição de que acusam o presidente e o comando petista constitui como que uma singularidade na história da esquerda mundial. Na realidade, 21 anos antes de o PT nascer, a maior força da esquerda democrática no Ocidente, o partido social-democrata alemão, rompeu com o marxismo, arquivou o conceito de luta de classes e a retórica anticapitalista. O mesmo fizeram os socialistas franceses no início dos anos 1980, já no primeiro governo de seu líder François Mitterrand (eleito em coligação com o Partido Comunista). Seguiram o mesmo caminho o poderoso Partido Socialista Operário Espanhol, de Felipe Gonzáles, e o modesto Partido Socialista Italiano de Bettino Craxi. Por fim, em 1995, o Partido Trabalhista britânico de Tony Blair aboliu do seu programa a meta da "propriedade comum dos meios de produção". O PT não se distingue, portanto, de nenhuma dessas agremiações, a não ser pela corrupção em escala inimaginável para qualquer delas - em nome de um projeto de poder anterior à eleição de Lula e ao seu pragmatismo do seu governo em matéria econômica.
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quinta-feira, agosto 25, 2005
Editorial de O Estado de S Paulo A diferença é a corrupção
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