NO MÍNIMO
Concentrada na captura de fregueses, Divine Brown zanzava naquela noite de junho de 1995 pela calçada da avenida em Los Angeles. Um carro encostou no meio-fio. O motorista convidou-a a entrar, a prostituta sentou-se no banco do co-piloto. Conferiu o possível cliente. Um moço bonito: olhos claros, cabelos alourados, parecia galã de cinema. E era. Como nunca vira um filme com Hugh Grant, Divine só saberia mais tarde que o destino colocara em seu caminho o ator inglês.
Ele quis saber quanto Divine queria por uma sessão de sexo oral. Sessenta dólares, informou a mulata balzaquiana. A cor da pele combinava com o sobrenome. A silhueta, embora atraente, nada tinha de divina. Mas havia os lábios carnudos, irresistíveis a quem busca o que o freguês desejava. Negócio fechado, a dupla foi à luta.
Divine nem de longe imaginou que acabara de decolar rumo às nuvens da fortuna, sobre as quais flutuaria nos meses seguintes. O parceiro tampouco percebeu que começara a percorrer o caminho do purgatório. Por excesso de excitação ou falta de juízo, propôs à mulher que fizesse o serviço na movimentadíssima Hollywood Boulevard. Ela topou. Antes que o blow job chegasse ao clímax, chegou a viatura policial. Conduzido à delegacia mais próxima, o casal foi indiciado por atentado ao pudor.
Divine identificou-se com a naturalidade de quem cumprira o ritual dezenas de vezes: os tiras a conheciam de velhas madrugadas. Hugh Grant balbuciou com voz embargada o nome famoso. Agitação na delegacia: tenentes e porteiros, detetives e prisioneiros, a mulher da limpeza, vítimas e culpados descobriram que o tarado da avenida era uma celebridade das telas.
A operária das calçadas entendeu que encontrara uma mina de ouro. Enquanto Grant pagava a fiança fixada em 1.800 dólares (e pensava no que diria à noiva, a lindíssima supermodelo Elizabeth Hurley), a prostituta ouvia a barulheira dos jornalistas acotovelados na porta da cadeia e calculava quanto valeria uma entrevista sobre a história.
A escala na delegacia durou duas horas. À saída, Divine pouco falou à multidão de repórteres. No dia seguinte, contratou um agente para organizar a seqüência de depoimentos solicitados por jornais, revistas e emissoras de TV. A primeira aparição na telinha rendeu-lhe 240.000 dólares. Meses mais tarde, quando saiu de cena, uma fortuna considerável repousava na conta bancária de Divine, graças aos cachês cobrados por revelações sempre picantes.
Aposentada pela feliz conjunção dos astros, a ex-prostituta brilhou sobretudo na pioneira incursão à Inglaterra. Em Londres, num programa de TV, informou aos súditos de Sua Majestade que Grant era "mal dotado". Um repórter pediu-lhe que avaliasse o desempenho do ator naquela noite californiana. De zero a dez, que nota merecia? Seis, decidiu Divine, sem especificar critérios. Seis. Uma aprovação sem brilho.
À branda punição aplicada pela Justiça americana – matricular-se num curso de sexo seguro –, Grant acrescentou por conta própria autoflagelações de impressionar iranianos. Expiou-se sem dó. Pediu perdão à noiva, aos parentes, aos amigos, aos vizinhos, aos fãs e ao povo em geral. Conseguiu retomar a noiva (por algum tempo) e a carreira artística (em definitivo). Nunca mais foi visto dirigindo lentamente nas avenidas de Los Angeles.
Dez anos depois, esse drama muito divertido seria reencenado como chanchada neste Brasil inverossímil. Produzida, adaptada e dirigida por Marcos Valério, a versão brasileira trocou a avenida por apartamentos em bons hotéis de Brasília. A dupla da trama original foi substituída por pencas de casais. Em vez de um único (e interrompido) blow job, o roteiro reescrito incluiu inumeráveis performances pornográficas.
O elenco masculino, composto por figurões da República e empresários camaradas, não impressiona pela aparência física: nenhum dos convivas poderia concorrer com um Hugh Grant. Em contrapartida, as garotas incumbidas de animar as festas de arromba superam amplamente a americana Divine Brown. Todas integram o cast administrado com rigor e eficácia pela cearense Geane Mary Corner.
Desde 1990 em Brasília, ela ganhou muito dinheiro exercendo o ofício de cafetina. Ou, como corrige a empresária das madrugadas, "recrutadora de mão-de-obra para eventos sociais". Muito justo: o trabalho das meninas de dona Geane, pago com o "caixa dois" do valerioduto, foi oficialmente remunerado com "recursos não-contabilizados". Estamos na estação dos eufemismos.
A temporada brasiliense acabou suspensa pela abrupta aterrissagem da cafetina na CPI dos Correios. Constatou-se que, para fazer amigos e influenciar pessoas, Marcos Valério não se limitava a fornecer mensalões e empréstimos a fundo perdido. Também fornecia festas e mulheres. Um senador sugeriu a convocação da cafetina. O pânico generalizado produziu em poucas horas a aliança suprapartidária. Teipes, tudo bem. Mentiras também. Mas sexo – e sexo grupal – seria demais. O nome de Geane foi riscado da lista de depoentes.
Pena. Para preservar a paz conjugal e a ilibada reputação dos pais da pátria, a CPI dos Correios subtraiu a milhões de telespectadores os capítulos mais excitantes (e risíveis) do novelão dos corruptos. Além da comandante, outras meninas de Geane decerto teriam de testemunhar no Congresso. O país pararia para ouvi-las. E os brasileiros decentes, agredidos pela canalhice organizada, enfim se sentiriam vingados ao conhecer as notas atribuídas ao desempenho na cama dos venerandos cuecões.
Entrevista:O Estado inteligente
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