FOLHA DE S PAULO
Em palestra em São Paulo, nesta semana, o Prêmio Nobel Joseph Stiglitz excursionou pelo campo da ciência política. Constatou, corretamente, que a democracia é um processo imperfeito. O grande público manifesta-se a cada quatro ou cinco anos, quando vota. Entre uma eleição e outra, o poder é exercido por outras instâncias, quase sem nenhuma espécie de controle e com forte influência de grupos eleitorais -o exemplo vem do próprio governo Bush.
A tecnologia é uma das formas de aprofundar o modelo. Os governantes deveriam ser instados a divulgar todos os seus atos, despesas, projetos, processos de decisão pela internet, pensa ele.
Quando indagado se o fato de ser uma ditadura poderia comprometer o futuro da China, Stiglitz alegou que, apesar de não ser uma democracia formal, na China existem de forma disseminada processos permanentes de discussão, envolvendo a academia, a intelligentsia em geral, empresários.
Não sei se, a rigor, essas discussões podem ser caracterizadas como um processo democrático. De qualquer modo, trazem um ingrediente fundamental, de agregar conhecimentos, checar hipóteses e encontrar saídas criativas. Há um rumo, uma meta, para a qual todos convergem mesmo sem a necessidade de instrumentos de coerção.
É importante notar que, em pelo menos dois momentos da história recente, o Brasil conseguiu despertar discussões apaixonadas em muitos setores. O primeiro, no início do governo Fernando Henrique Cardoso, com o entusiasmo suscitado pelo Real. O segundo, no início do governo Lula, quando o Executivo se abriu para ouvir sugestões. O impacto que produziu nos diversos setores da sociedade convocados a participar do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e outros fóruns do gênero foi proporcional ao desapontamento quando todos se deram conta de que o governo não possuía ferramentas de gestão capazes de incorporar as idéias.
Saliente-se, em todo caso, que idéias inovadoras existem para todos os setores da economia. Há idéias consistentes sobre políticas tecnológicas, sobre modelos de saneamento, sobre PPPs, direito econômico, logística, exportação etc. Há uma estrutura de país moderno, com grupos de pensamento sofisticados, porém dispersos.
O que falta é a presença do agente aglutinador, do estadista ou de formas mais institucionalizadas de ampliar as discussões. De um lado, causa enorme desconforto perceber esse potencial e a maneira como não tem sido aproveitado por tantos governos. De outro, abre esperança de que todas as peças estão disponíveis para serem jogadas.
É hora de tirar um pouco o foco do governo federal -mesmo porque, com essa crise toda, não dá para esperar muita coisa mais- e passar a olhar para os governos estaduais. Há muitas experiências estaduais interessantes que merecem ser mais bem analisadas, inclusive para servir de base para os planos de ação do próximo governo.
Mais uma vez, a crise que abala o país não é do federalismo, é de sua deturpação e do centralismo forçado, que desde a Constituição vem corroendo o que foi definido pelos constituintes.
Entrevista:O Estado inteligente
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