Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 26, 2005

LUÍS NASSIF CPIs e quarteladas

FOLHA DE S PAULO

  Há duas maneiras de entender os assomos de paroxismo da opinião pública na última década.
De um lado, a consolidação desse ente chamado opinião pública midiática, processo similar ao da Europa dos anos 20, com um componente autoritário provocado pela inclusão política de novos segmentos no processo e pelo desapontamento com a liberalização econômica do período anterior. São tempos de fechamento econômico, de aumento da intolerância e de paroxismos.
Mas há outro aspecto a ser considerado, de ordem político-econômica, que explica tanto as turbulências da Europa a partir dos anos 20 como as do Brasil no mesmo período e agora.
Internamente, repete-se o mesmo processo conturbado que marcou o nascimento e a consolidação da classe média brasileira nos grandes centros, na segunda metade do século 19, e as classes populares, a partir dos anos 20 e 30. São períodos turbulentos, até pelo exercício de afirmação das novas forças.
É essa classe média urbana que dá força à Aliança Libertadora Nacional, em 1930, à campanha de Carlos Lacerda contra Vargas, no início dos anos 50, e se torna suscetível a todos os movimentos de desestabilização do establishment -de Jango à campanha das diretas. Não se atribuam instintos golpistas, no sentido vulgar, mas reação à falta de um projeto nacional satisfatório e falta de um papel estabilizador da própria mídia.
Depois do grande estelionato do "encilhamento" e do absurdo rigor fiscal de Joaquim Murtinho, o pacto dos governadores garantiu uma espécie de paz dos cemitérios, que manteve a governabilidade, mas no âmbito de uma economia manietada até os anos 20. Era uma economia rentista, uma elite afrancesada, novos atores surgindo, como os migrantes, os proletários, mas com pouco espaço para se soltar.
O modelo político tornou-se anacrônico para abrigar as novas forças políticas, e o modelo econômico, anacrônico para dar espaço aos novos setores da economia. É nesse quadro que começam irrupções de toda ordem. No campo cultural, a rebeldia da Semana de 22 e a renovação das artes e da cultura popular. No campo político, a sucessão de quarteladas conduzidas pelos tenentes, que acabam desembocando na Revolução de 30.
No fundo, esses movimento de paroxismo das CPIs, da mídia, da opinião pública, embora com menos heróis e mais civilidade (a guerra é por meio das CPIs e das mídias, e não de bombas e tiros), reproduzem em versão moderna as quarteladas dos anos 20, um inconformismo ainda com baixo nível de racionalidade, mas que precede a tomada de consciência dos anos 30 em diante.
Naqueles anos 20, por debaixo daquele ceticismo enorme que dominava o país, havia uma força pujante, um novo país sendo moldado e cujo parto se daria alguns anos depois da chegada de Vargas ao poder, garantindo cinco décadas de crescimento contínuo. Graças, em primeiro lugar, ao maior estadista brasileiro -o sr. Crise.-, e, depois, a Getúlio Vargas, JK, Castello e outros que ajudaram a moldar o novo país.

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