O ESTADO DE S PAULO
A crise política só faz aprofundar-se a cada semana, com novas revelações estarrecedoras sobre o maior esquema de corrupção política de nossa História, organizado pela facção dirigente do Partido dos Trabalhadores que ocupou os principais postos no atual governo. As investigações no Congresso e fora dele avançam, impulsionadas por novas denúncias e, principalmente, novas confissões. Como todos suspeitavam, hoje está absolutamente claro que nenhum personagem importante desse grupo está isento de responsabilidade ou participação ativa nesse processo. Por outro lado, a patética citação em epígrafe é a prova mais cabal da inépcia e do despreparo de nosso dirigente máximo para nem sequer compreender a dimensão da crise e, menos ainda, para procurar formular uma estratégia para seu enfrentamento e superação.
Hoje podemos ter a esperança de que o País acabará sabendo boa parte da verdade e que haverá punições que atingirão algumas das figuras que até recentemente eram as mais importantes do governo. Já ninguém aposta na permanência nem mesmo do ministro da Fazenda e o impeachment do presidente passou a ser abertamente discutido. Pessoalmente, creio que já há evidências suficientes para dar início a esse processo, mas entendo a cautela política dos dirigentes da oposição, para evitar que o País passe por um segundo processo semelhante e altamente traumático num intervalo de uma década e meia. Entretanto, é possível que esses passos tenham de ser obrigatoriamente adotados pelo Congresso em face de novas evidências que venham a surgir.
É chegada a hora de começarmos a pensar na superação da crise e na reconstrução da democracia em nosso país, a partir de uma clara estratégia sobre a qual me parece ser possível reunir certo consenso entre lideranças políticas e da sociedade. No curto prazo, é preciso aprofundar e concluir as investigações e punir com severidade as pessoas que praticaram os crimes mais graves, ou seja, os que se utilizaram do desvio de recursos públicos ou do favorecimento a determinados interesses privados para obter dinheiro com três objetivos: o financiamento partidário, a compra de apoio político nas eleições ou no Congresso e o enriquecimento pessoal.
As etapas de médio e longo prazos se devem concentrar na inadiável reforma política em nosso país. É obvio que não há tempo para fazer todo o necessário para as eleições do próximo ano. É preciso dividir a reforma em etapas indissociáveis. A primeira deverá incluir aspectos emergenciais para a próxima eleição e que tenham que ver com a redução de custo da campanha política e o aumento dos controles sobre seu financiamento, ainda dentro do marco mais geral de nosso sistema eleitoral vigente. Os riscos de dividir a reforma necessária em etapas são dois: não podemos confundir essa parte da reforma com o conjunto de medidas a serem adotadas para garantir um futuro melhor para nossas instituições democráticas e não podemos aprovar nada que vá na contramão do que se deve alcançar na segunda etapa da reforma política. Nesse sentido, preocupam propostas que estão sendo discutidas neste momento no Congresso e que poderiam constar da lei a ser aprovada nas próximas semanas, como, por exemplo, a mudança do sistema de eleição parlamentar para o de listas fechadas ou a redução das chamadas cláusulas de barreira em relação ao que já está aprovado para o próximo ano, o que manteria, na prática, a pulverização atual do sistema partidário brasileiro.
Mais do que nunca, o País precisa eleger um verdadeiro estadista como seu próximo presidente. Como seu primeiro ato, ele deveria enviar ao Congresso a proposta de reforma que fixe novas regras permanentes para o sistema político brasileiro. Aos poucos a sociedade brasileira as vem amadurecendo e será possível mobilizar a opinião pública para fazer com que o Congresso aprove dispositivos que hoje soam difíceis por contrariarem muitos interesses estabelecidos no Parlamento. Três são os temas mais importantes a serem discutidos nessa etapa:
A mudança do sistema de eleição parlamentar, substituindo o sistema do voto proporcional pelo voto distrital puro;
a ampliação dos mandatos e a eliminação da reeleição imediata;
e regras rígidas de fidelidade partidária.
Aprovada essa segunda etapa da reforma, o futuro presidente deveria pôr em debate e liderar o processo de aprovação, pela sociedade e pelo Congresso, da mudança do sistema de governo para o parlamentarismo. Há, hoje, condições de demonstrar ao povo brasileiro a sua necessidade, bastando constatar que as últimas grandes crises políticas que atravessamos - a do período Collor e a presente - teriam sido rapidamente superadas sem maiores traumas dentro daquele regime.
Não será quem aspira apenas a "tocar o barco" que poderá liderar esse processo estratégico essencial para a sobrevivência de nosso regime democrático. O governo atual está apenas manobrando para se defender das acusações criminais, sem nenhuma estratégia política para superar a crise. É oportuno lembrar que governo que perde a iniciativa política acaba. O problema é que a persistência dessa situação poderá tornar irrelevante a discussão sobre a conveniência ou não de levar adiante o processo de impeachment do presidente.