Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 28, 2005

Lula virou um "fantasma", diz Skidmore

Entrevista à FOLHA DE S PAULO

IURI DANTAS
DE WASHINGTON

Acostumado às reviravoltas da política do Brasil, país que estuda há 44 anos, um dos mais renomados historiadores norte-americanos, Thomas Skidmore, 73, não demonstra surpresa quando indagado sobre a atual crise política enfrentada por Luiz Inácio Lula da Silva e pelo PT. No seu entender, o primeiro operário eleito para a Presidência tornou-se um "fantasma", um "homem oco", alguém que "não entende realmente o que está acontecendo".
A conseqüência disso? "Pode ser perfeitamente possível deixá-lo continuar com funções cerimoniais, das quais realmente gosta, as viagens, encontros com outros governos, e permitir que o governo continue a gravitar em torno de pessoas apropriadas como [o ministro da Fazenda Antonio] Palocci, que obviamente deve ser a única pessoa que vai sobreviver a esse problema. Não sei se Lula vai precisar concordar com isso ou se vai simplesmente acontecer, chegar ao ponto em que todos decidam que ele é o presidente que nunca houve, um fantasma".
Além da "tragédia" pessoal de Lula e do PT, o autor de "De Getúlio a Castelo" diagnostica também a "falência" do sistema político posterior à ditadura militar (1964-1985). "O sistema de governo que a Constituição de 1988 produziu não é viável. Não é possível conduzir o Brasil, especialmente em um o sistema partidário fragmentado, com as regras eleitorais adotadas depois do regime militar", disse. Leia trechos da entrevista concedida por telefone na quarta:
 

Folha- Como o sr. vê as suspeitas contra o PT e seus líderes?
Thomas Skidmore -
Parece que a maioria das acusações têm substância, não são apenas rumores. Houve o uso de muito dinheiro privado para influenciar políticos no Congresso. Acredito que todo mundo concorda com isso. O segundo ponto é: como isso veio à tona? A resposta comum seria que PT traiu seus ideais. Isso pode ser verdade, mas penso que é mais relevante olhar para o sistema. O sistema de governo que a Constituição de 1988 produziu não é viável. Não é possível conduzir o Brasil, especialmente num sistema partidário fragmentado, com as regras eleitorais adotadas após o regime militar. O mais importante são mudanças estruturais, como uma revisão da Lei Eleitoral que fortaleça os partidos políticos. Isso não é tão fácil de fazer, tem sido muito discutido, mas essa é a raiz das dificuldades do presidente em tentar usar suborno para assegurar votos na Câmara.
A situação no curto prazo obviamente é muito séria. Lula foi o primeiro operário eleito, foi uma mudança dramática na estrutura social no país. E a reviravolta é que sua habilidade para lidar com o sistema é inadequada. Lula se mostrou alguém muito bom de campanha, não um bom administrador. A única sugestão que ouvi que me parece razoável é de os principais partidos de oposição concordarem em permitir que Lula permaneça na Presidência, mas realmente isolá-lo e deixar o Brasil governar a si mesmo.
Acredito que Lula não está interessado nos detalhes da administração, portanto pode ser perfeitamente possível deixá-lo continuar com funções cerimoniais, das quais realmente gosta, as viagens, encontros com outros governos, e permitir que o governo continue a gravitar em torno de pessoas apropriadas como Palocci, que deve ser a única pessoa a sobreviver ao problema. Não sei se Lula vai precisar concordar ou se vai simplesmente acontecer, chegar a um ponto em que todos decidam que ele é o presidente que nunca houve, um fantasma.
Claro que haverá a desintegração do PT. Restará algum pequeno grupo de idealistas, e haverá a tragédia pessoal de Lula, o qual, acredito, não entende realmente o que está acontecendo no Brasil ou com ele. Acabou que ele se mostrou com uma visão muito cínica da política brasileira, presumindo que todos os políticos aceitam suborno o tempo todo, então o que estavam fazendo não era nada de anormal. O problema é que a sociedade brasileira não concorda e quer mudar isso. Lula provavelmente perdeu sua capacidade de conduzir o país. Ele será agora uma figura decorativa, um presidente que ninguém vê porque está se encontrando com estrangeiros. O importante nisso tudo, e deve ser enfatizado, é o fato de a economia brasileira estar indo muito bem. Vem tendo um sucesso sensacional em coisas como exportações, produção industrial.

Folha - Essa tese de Lula assumir uma postura figurativa, então, já vem acontecendo.
Skidmore -
Certo. Seria legitimar o que já vem acontecendo. Lula não seria submetido a um impeachment como [Fernando] Collor. Porque Collor era um ser humano muito diferente: era moralmente bastante suspeito. Lula não é, mas está caindo no sistema, parcialmente por inexperiência e pelas dificuldades de fazê-lo funcionar. Realmente me parece que a única saída seria essa. Com os políticos se acalmando, haveria mais tempo para importantes políticas econômicas e administração do país. E Deus sabe que há problema suficiente nisso.

Folha - Como figura decorativa Lula também não seria preservado de críticas necessárias?
Skidmore -
Sim, mas não vale a pena fazer as críticas. Sua imagem no país, na sociedade brasileira, está prejudicada sem possibilidade de conserto. Não pode retomar o controle sobre a administração. Ele já se foi. O que todos têm que se concentrar agora é numa forma de conduzir o país, dado o fato de que o presidente é um homem oco. É um verdadeiro fantasma.

Folha- Qual o impacto dessa situação na democracia brasileira?
Skidmore -
O Brasil é um país muito orientado pelas elites. O que isso vai fazer é dar força ao processo de colocar a política e o poder nas mãos de pessoas muito experientes, como Fernando Henrique Cardoso. Ele é o exemplo perfeito. Alguém bem nascido, com muita experiência, que fala vários idiomas. São pessoas assim que sabem conduzir o país. A sociedade não vai mais votar em um populista como Lula. Vai voltar às pessoas mais seguras, que não representam o país, mas uma apenas uma pequena classe.

Folha - A crise elimina uma alternativa ao status quo?
Skidmore -
Está certo. Por isso acredito que é preciso repensar cuidadosamente a Lei Eleitoral e as regras para o Parlamento. Porque isso não é apenas uma tragédia pessoal ou do partido, também é a falência da Constituição de 1988. Esta foi a Constituição mais cuidadosamente escrita na história do Brasil, e olha que foram muitas. Agora, em alguns aspectos, em particular sobre o Congresso, ela é impraticável. Então, temos uma tragédia ainda maior, que é a da democracia incapaz de se estabelecer de forma plena. Esta é a primeira grande crise política no Brasil desde 1995 que não está ligada à balança de pagamentos. Antes, sempre houve problemas de pressão de credores externos que forçavam mudanças para o pagamento da dívida. Neste caso, o PT está de fato pagando a dívida, em vez de fazê-la crescer, fazendo com que a crise tenha uma dimensão bem diferente e, de alguma maneira, seja algo mais fácil de se lidar. Isso dá otimismo e as bases para que Lula continue como um tipo de figura decorativa e tenha a administração do país voltada para as elites.

Folha - A preservação da economia ajuda Lula a lidar com a crise.
Skidmore -
Essa é outra razão pela qual os partidos de oposição estão perfeitamente felizes deixando ele se manter como figura decorativa. Ele não tentou tomar decisões radicais, como grandes aumentos no salário mínimo.

Folha - O PT levou 20 anos para se consolidar como alternativa. Não parece haver outros personagens hoje com essa característica. Há um vácuo na política nacional?
Skidmore -
Isso é bem verdade. Provavelmente haverá alguns líderes do PT se juntando e tentando criar um novo partido, livre dos pecados do antigo, e adotará uma posição de esquerda. Mas será muito difícil, porque diversos processos diferentes precisam acontecer ao mesmo tempo no sistema político. Sua preocupação deve ser com a capacidade do sistema político como um todo, quanta capacidade ele tem para se curar da crise. Outra vantagem neste caso é que o público brasileiro não está em um clima de rebeldia. Não é como em 1954, com Getúlio, ou mesmo com Collor.

Folha - Como ocorrerá o rearranjo das forças políticas?
Skidmore -
O que é impressionante é que há muito poucas idéias novas na esquerda. Um dos grandes problemas é esse. O tipo da coisa que havia sido fomentada pelo PT e pelo Fórum Social Mundial em Porto Alegre foi muito superficial. Não representava um claro entendimento do mecanismo da civilização moderna industrial. Um problema que existe em todo o Ocidente, a ausência de idéias. Essa será uma dois coisas interessantes a se perceber, que idéias estão emergindo para a formação de novos partidos.

Folha- Como o sr. vê as ameaças contra Palocci?
Skidmore-
Justiça é um animal curioso no Brasil, como é nos Estados Unidos. Nunca se sabe quando uma acusação vai pegar.

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