Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 28, 2005

JOSIAS DE SOUZA Super-Receitacomeça a exibir os seus minipoderes

 FOLHA DE S PAULO
PARA CADA mau governante há milhões de governados que enxergaram mal. O que infelicita o Brasil, mais do que a sem-vergonhice do ex-PT, é a epidemia de falta de visão. Elegeu-se um presidente cego porque o eleitor viu solução onde havia problema.
Eis a grande dúvida nacional: se o pseudopresidente Lula nada enxerga, quem vai ser rei na Brasília convertida numa terra de cegos em que ninguém tem um olho? Sabe-se que há um cadáver no Planalto. Mas o assanhamento de Severino "Estou Preparado" Cavalcanti detém o avanço das bactérias.
As pesquisas de opinião mostram que a pátria, tardiamente, começa a abrir os olhos. Até patrícios mais humildes já enxergam o logro que nos desgoverna. Todos vão se dando conta de que, à medida que Lula penetra o insondável, aumenta o abismo entre o governo e o ato de governar.
Deu-se no Ministério da Fazenda a última tentativa de romper o imobilismo. Está-se falando da criação da Super-Receita, o órgão que passou a centralizar a arrecadação de tributos da União e de contribuições do INSS. Começou a funcionar há 15 dias. Mostrou-se detentora de minipoderes.
Às voltas com os fantasmas de Ribeirão Preto, Antonio Palocci ainda não viu o desastre que se forma ao seu redor. Abaixo, um resumo da encrenca:
1) a idéia da Super-Receita parte de um raciocínio lógico: unificada, a máquina coletora do Estado fortifica a sua musculatura. Há vantagens também para as empresas. Antes auditadas por agentes do fisco e da Previdência, passam a responder a um único órgão público;
2) no início do ano, o deputado Tarcísio Zimmerman (PT-RS) propôs a realização de duas audiências públicas na Câmara. Queria debater a criação da SuperReceita. Planalto e Fazenda desaconselharam a iniciativa. Alegou-se que a unificação não estava nos planos do governo. A discussão seria inócua;
3) súbito, descobriu-se que, sob a fumaça das negações oficiais, os fornos da Fazenda assavam em segredo a proposta da Super-Receita. Surpreendidos, parlamentares governistas pediram que ao menos a proposição descesse ao Congresso como projeto de lei, não como medida provisória. Palocci concordou;
4) para precaver-se contra eventuais desvirtuamentos do texto do futuro projeto de lei, o governo costurou a indicação de um relator amigo e versado na matéria. A escolha recaiu sobre Francisco Dornelles (PP-RJ), ex-secretário da Receita e ex-ministro da Fazenda;
5) a Super-Receita escalou os escaninhos do Palácio do Planalto embrulhada num projeto de lei, como prometido. Porém, no trânsito entre a sala da ministra Dilma Roussef (Casa Civil) e o gabinete do pseudopresidente Lula, o projeto virou medida provisória;
6) a traição gerou revolta no Congresso. Rogou-se ao governo que retirasse a medida provisória. Fazenda e Planalto fizeram ouvidos moucos. Em reunião convocada para que Jorge Rachid, secretário da Receita, explicasse a novidade aos congressistas, deputados petistas subiram no caixote. Desancaram a proposta. Sentindo cheiro de queimado, o relator Dornelles abdicou da relatoria. Buscou-se às pressas um substituto. A batata quente arde agora no colo do deputado Pedro Novais (PMDB-MA);
7) medidas provisórias, como se sabe, têm peso de lei. Começam a vigorar mesmo antes de aprovadas pelo Congresso. Vai daí que, embora pendente de votação, a Super-Receita começou a operar há cerca de duas semanas. Demonstrou-se um aleijão. Unificaram-se no novo órgão as carreiras dos auditores da Receita e da Previdência. Mas mantiveram-se apartados os advogados que respondem pela cobrança das dívidas;
9) vistos como profissionais de "segunda classe" pelos colegas da Procuradoria da Fazenda Nacional, cerca de 650 procuradores da Previdência foram escanteados. Excluídos dos quadros da Super-Receita, terão de ser reaproveitados em outras atividades. Simultaneamente, a Fazenda acena com a contratação de 1.200 novos e inexperientes advogados;
10) a Procuradoria da Fazenda, que já estava desaparelhada para cobrar a dívida ativa de tributos federais (algo como R$ 270 bilhões), terá agora de executar também os débitos inscritos nos cadastros da Previdência (cerca de R$ 110 bilhões). Sem contar o acompanhamento dos milhares de processos em tramitação na Justiça do Trabalho;
11) o cruzamento do improviso com o despautério deu à luz um fiasco. Em ofícios endereçados aos tribunais trabalhistas, a Procuradoria da Fazenda pede que seja retardada "provisoriamente" a tramitação dos processos em que há incidência de contribuições previdenciárias. Alega que precisa promover o "treinamento de pessoal" para as novas atribuições;
12) em reunião de emergência, realizada em 10 de agosto, presidentes e corregedores de tribunais regionais do trabalho decidiram suspender por 60 dias o trâmite de processos que exigem a manifestação dos advogados do governo. Desde 2001, os contenciosos trabalhistas carrearam para os cofres da Previdência R$ 3,7 bilhões. A queda na arrecadação é certa como o nascer do sol a cada manhã;
13) por ora, o bololô encontra-se no seguinte estágio: as execuções previdenciárias já foram formalmente suspensas por tribunais trabalhistas de seis Estados: Minas, Paraná, Santa Catarina, Roraima, Pernambuco e Alagoas; uma frente suprapartidária trama para derrubar a Super-Receita no Congresso; em ação protocolada no STF, a Associação Nacional dos Procuradores da Previdência pede que a medida provisória que criou o novo órgão seja declarada inconstitucional;
14) ao exercitar a ambição de governar a "sua" administração, o pseudopresidente Lula, que mal consegue governar-se, tonificou a sensação de desgoverno. Perdeu uma ótima oportunidade de perder uma boa oportunidade. Conspurcou-se uma bela idéia. Devagarinho, Brasília vai se transformando num hospício. Administrado pelos loucos.

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