Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, agosto 23, 2005

Merval Pereira Ressentimentos

O GLOBO

A entrevista do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi tão comemorada entre os tucanos quanto entre os governistas. O PSDB acha que vencerá a próxima eleição, e aposta num cenário de sarneyização de Lula, que ficaria enfraquecido pelas evidências, mas sem ser atingido pessoalmente, assim como Sarney chegou ao fim de seu mandato, criticado violentamente por todos os adversários e sendo atacado por manifestantes petistas exaltados.

O presidente Lula está praticamente isolado já hoje em dia, participando de eventos organizados para os despossuídos beneficiados pela Bolsa Família. Chegaria assim à eleição ou fraco ou sem condições de se candidatar. Já o PFL, que quer o impeachment, está com gosto de sangue na boca. Trabalha com a hipótese de entrar com o impeachment quando a credibilidade do governo se deteriorar, o que considera inevitável. Além de a orientação dos pefelistas ser mais radical do que a dos tucanos, há um fator determinante no andamento do processo, especialmente na CPI dos Correios: os "garotos" da CPI, ACM Neto e Rodrigo Maia, do PFL, e Eduardo Paes, do PSDB, na análise de políticos veteranos, estão gostando dos holofotes e às vezes vão com muita sede ao pote, especialmente os do PFL.

A insistência do prefeito Cesar Maia em que Palocci mentiu demonstra bem o ânimo do PFL, que não pretende dar trégua ao governo. A explicação de que o ministro não falou da licitação de R$ 40 milhões para aterro sanitário e reciclagem, vencida pela mesma firma Leão & Leão da qual Buratti foi vice-presidente depois de deixar o secretariado de Ribeirão Preto, porque ela não estava em discussão, não satisfaz aos oposicionistas do PFL, embora pareça irrelevante para o PSDB. Tudo depende agora do depoimento de Rogério Buratti na CPI dos Bingos amanhã.

Se os recados enviados pelo ministro Palocci na entrevista coletiva surtirem efeito — que entendia o desespero de Buratti, que não guardava mágoa dele, que ele sofreu constrangimentos ilegais por parte dos procuradores — o depoimento de Buratti poderá até mesmo enfraquecer suas primeiras denúncias. Mas se, ao contrário, ele continuar ressentido e tiver mais detalhes a contar aos parlamentares, e os procuradores tiverem mesmo provas documentais de que o pagamento de propinas aconteceu na administração de Palocci, mesmo que nenhum documento ligue diretamente o nome do ministro ao delito, a situação dele se complicará.

Com o objetivo de blindar o governo com sua credibilidade, assumiu um desmentido tão peremptório que não deixou margem de manobra. Talvez por isso tenha provocado tamanha admiração no presidente Lula, que até agora não conseguiu produzir uma declaração tão enfática. Buratti disse que se sentiu isolado e por isso resolveu falar.

Foi o mesmo sentimento do Roberto Jefferson, que se sentiu abandonado por José Dirceu quando surgiu a fita com Marinho dos Correios recebendo a "peteca" de R$ 3 mil. Ao pedir ajuda ao então chefe da Casa Civil, ouviu dele uma recomendação nada tranqüilizadora: "Pode deixar que na volta da Espanha eu cuido disso", teria dito Dirceu. E foi na Espanha que o então ministro soube da primeira entrevista-bomba de Roberto Jefferson.

Ao que tudo indica, está aberta a temporada de ressentimentos, e nos próximos dias tudo pode acontecer. Se, por exemplo, Dirceu, já virtualmente cassado, não conseguir se manter na chapa do novo diretório nacional do PT por manobras de Tarso Genro com o apoio de Lula, dificilmente ficará calado. Pode não fazer denúncias bombásticas, pois este não é seu estilo de fazer política, mas pode perfeitamente estimular o ex-tesoureiro Delúbio Soares a abrir o jogo, ele que já mandou avisar que se for expulso do PT vai falar tudo o que sabe. Quando Delúbio disse em seu depoimento na CPI dos Correios que não é delator, deixou claro que tem o que delatar. Foi só um aviso.

Como fazer uma refundação do PT sem se livrar de Dirceu e seu grupo? Ao que tudo indica, Dirceu mantém o controle da máquina partidária e não pretende abrir mão dessa atuação política, ainda mais sendo cassado. Mas, se por hipótese, Tarso Genro ganhar essa queda-de-braço com os "eleitoreiros" do Campo Majoritário, e, com o auxílio da esquerda do partido, assumir seu controle? Nesse caso, teremos uma vitória de Pirro de Lula, que se livrou de seu passado petista, mas cairá nos braços de um partido que, para começar de novo, terá que voltar às suas origens radicais, que não combinam com a política econômica em vigor.

Por isso, a presença do ministro Palocci à frente da Fazenda, ao contrário do ele disse, não é um mero detalhe. Se o ministro fosse um não-petista, não conseguiria convencer Lula a manter a política diante das pressões que viriam do partido. São as contradições do PT: se a esquerda assumir o comando, dissolvendo o Campo Majoritário como querem Lula e Tarso Genro, o governo fica sem apoio à política econômica e Palocci será atacado.

Se Dirceu ganhar a parada, o PT continuará apoiando a política econômica — a nota de Dirceu sobre a entrevista de Palocci foi uma tentativa de composição, e também a chance de pegar carona na credibilidade de Palocci. Mas Lula terá sido derrotado por Dirceu, e não se sabe qual será sua reação.

Seja qual for o resultado dessa disputa interna do PT, que agrava ainda mais a crise política, o partido vai minguar e pode ter um candidato ético como o senador Eduardo Suplicy à Presidência, para começar do zero. Mas se Dirceu e seu grupo continuarem a manobrá-lo, sua credibilidade será zero, o que dificultará mais ainda o já improvável projeto de reeleição de Lula.

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