Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 29, 2005

Editorial de O Estado de S Paulo Para compreender a crise

Para compreender a crise

Na abertura do seminário "O Silêncio dos Intelectuais", patrocinado pelo Ministério da Cultura, a filósofa Marilena Chauí, historicamente ligada ao PT, afirmou que não se pronunciou sobre a crise - o escândalo de corrupção no qual chafurda o Partido dos Trabalhadores (PT) - porque ainda não conseguiu compreendê-la. Deve ser, de fato, muito complicado para um filósofo engajado fazer a exegese da mutação de um partido que nasceu ungido pela ética, para transformar o País, numa pandilha de dirigentes e agregados que violaram com desenvoltura as leis eleitorais e penais. Mesmo assim, arriscou algumas tentativas de análise, comprovando que, quando julgou compreender a crise, o fez de maneira arrevesada.

Segundo a filósofa Marilena Chauí, o PT caiu numa "armadilha tucana". Ou seja, como o governo Fernando Henrique não teve a "coragem" - essa a expressão usada - de fazer a reforma política, o Partido dos Trabalhadores foi obrigado a fazer alianças e tudo acabou do jeito que aí está. E a corrupção, afirmou, não pode ser reduzida a uma questão de caráter pessoal, pois decorre do modo como o sistema político brasileiro está estruturado.

A prevalecer essa versão, os dirigentes do PT que se enroscaram com propinas, caixa 2 e mensalões nada mais eram que pobres coitados, vítimas de um truque dos adversários, das más companhias e da perversidade do sistema político. Muito diferente é a análise da crise feita por quem realmente entendeu o que se passou com o PT porque foi petista até ontem e não tem motivos para atirar culpas e responsabilidades sobre terceiros.

O ex-deputado Milton Temer, que se desligou do PT para fundar o PSOL, em entrevista publicada quarta-feira pelo Estado(LER), conta com minúcias o processo de desvirtuamento do PT. Lula, após a derrota eleitoral de 1989, teria montado uma estrutura paralela à direção nacional do PT. Com isso, conseguiu levar para a direção partidária "a burocracia da CUT", inclusive o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Para Temer, quem fez a guinada no PT foi a burocracia sindical e o processo de contaminação do partido culminou com o caso de Roberto Teixeira, acusado pelo militante Paulo de Tarso Venceslau de usar as suas relações pessoais e partidárias para fechar vantajosos contratos com prefeituras petistas. Investigado o caso por uma comissão composta por Hélio Bicudo, Paul Singer e José Eduardo Cardozo, ao contrário do que se esperava - e por influência direta de Lula -, não foi Roberto Teixeira o expulso do partido, mas sim o denunciante Paulo de Tarso.

E Milton Temer faz um juízo definitivo sobre Lula: "Objetivamente, o Lula é o dono do modelo." E sobre Lula não saber do que ocorria nos porões do PT, a resposta foi cabal: "Quem falar essa frase, levando a sério, ou chamo de marciano ou mal-intencionado. Lula nunca abriu mão de conduzir tudo."

O presidente interino do PT não desce aos detalhes da transformação do partido, indo direto aos resultados. Para Tarso Genro, houve "total irresponsabilidade na gestão (do PT), com total autonomia de determinados gestores que comprometeram a totalidade do partido". E, como o PT criou para si o mito de que era "a configuração da virtude sem nenhum vício", não criou mecanismos de controle e seleção das pessoas que ocupariam cargos de direção.

Mas a crítica mais demolidora foi feita ao projeto do partido. "O PT mostrou uma certa soberba e um certo equívoco sobre o que é poder. E houve uma simbiose profundamente equivocada entre o partido e o governo. Isso foi se transformando em uma relação entre partido e Estado, em algo profundamente equivocado." Em termos simples, o que Tarso Genro reconheceu foi que o PT, no lugar de um projeto de governo, fez um projeto de poder. A direção decaída não se satisfazia com a conquista do governo; queria que o PT absorvesse o Estado - o que só ocorre quando se instala um regime totalitário, nos moldes do comunismo na antiga União Soviética ou do nazismo, na Alemanha de Hitler.

A mistura do monopólio da virtude com a desmedida ambição de poder resultou numa espécie de "ética revolucionária". O partido que jamais admitiu o menor deslize de seus adversários fechou os olhos para o monumental esquema de corrupção que seus dirigentes, com a ajuda de operadores externos, montaram porque acreditavam que tudo lhes era permitido para salvar o País. Até mesmo emporcalhar as suas instituições.

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