Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 25, 2005

Miriam Leitão :Leitura errada

O GLOBO

Caíram vários mitos com a pesquisa do Ibope. O governo achava que seu próprio desgaste não atingia a figura do presidente, achava que Lula estava com perda de popularidade apenas entre os mais ricos e mais escolarizados. Apostava que o preço maior seria pago pelo PT. Com base nisso, o presidente imaginou uma estratégia de subir no palanque, falar de maneira populista, acusar a elite e mandar o PT se explicar.
Deu tudo errado. Não existe possibilidade de separar Lula de seu governo. Na avaliação, caíram ambos: o governo e o presidente. É natural que o primeiro impacto de um caso como esse ocorra entre os mais escolarizados e formadores de opinião, mas depois se espalha por todos os segmentos da sociedade. Foi exatamente o que aconteceu. Atualmente, o percentual dos que não confiam no presidente é maior do que os que confiam, inclusive entre aqueles que têm apenas quatro anos de escolaridade. O presidente Lula tem hoje avaliação líquida negativa, ou seja, descontando-se os que acreditam que seu governo é ruim e péssimo dos que acham que é bom e ótimo; ou, em outra conta, os que desaprovam sua forma de governar dos que aprovam, o resultado é negativo.


A pesquisa de intenção de voto tem sempre mais destaque, mas a eleição acontecerá daqui a 14 meses. A do segundo turno é ainda mais remota. Mais importante é olhar para outros sinais. Até porque todos os cenários estudados pelo Ibope incluem o nome do presidente Lula na cédula; e talvez ele nem esteja lá. A pesquisa serve para dar a direção do vento agora, mas não é uma antecipação da eleição; até lá, tem muita água para correr debaixo da ponte.

O que a pesquisa revela é que o presidente e seu grupo pensante estão errando redondamente ao propor o conjunto de sandices: discurso eleitoreiro-apelo aos desvalidos-ataque às elites-afirmação de que era um problema do PT e não do governo. A idéia do Planalto é que, em vez de dar entrevistas e se explicar, o presidente deveria soprar a brasa da sua relação com as classes populares para trazê-las para o seu lado. Isso aumentaria a blindagem de Lula porque ninguém teria coragem de atacar um presidente apoiado pelo povo.

Não funcionou por um motivo simples: a análise das pesquisas estava errada. Ele mantinha mais apoio entre os de menor renda e menor escolaridade por uma questão de tempo. Lula continua tendo mais apoio entre os de menor renda, mas os dados não deixam dúvida de que se generalizou o desgaste.

A tentativa de separação de corpos entre PT e governo também não funcionou: a opinião pública acha que os três mais culpados pela crise são, pela ordem, o PT, os deputados e o presidente Lula. Quando se pergunta qual é o primeiro responsável, Lula é o segundo mais apontado, logo após o PT.

A pesquisa do Ibope revoga até um dos pressupostos mais comuns na relação entre economia e política. Normalmente, quando há queda da inflação, aumento da renda e queda da taxa de desemprego, isso acaba virando aumento da popularidade do presidente da República. Mas, desta vez, a forte queda da inflação, com a conseqüente elevação da renda, e a diminuição do desemprego não estão se transformando em aumento da confiança no presidente ou da aprovação de sua maneira de governar. A isso se acrescente outro dado que deveria estar aumentando o otimismo: o crédito livre cresceu 22% no último mês em relação ao mesmo período do ano passado; a maior parte do aumento é por empréstimos tomados pela pessoa física através das modalidades de crédito consignado. Contudo, os três meses de exposição negativa, desde que começou o escândalo, e a crônica incapacidade do governo em reagir estão erodindo a popularidade do presidente num cenário econômico favorável.

As pesquisas dos diversos institutos recentemente divulgadas foram avaliadas equivocadamente por quem quis se enganar. Lá já estavam os sinais de que a situação iria piorar para o governo. O Datafolha mostrou que, nos últimos 17 meses, aumentou sistematicamente a percepção de que há corrupção no governo Lula. O que era apontado por 32% dos entrevistados em março de 2004 pulou para 83% neste mês de agosto. A última CNI-Ibope, em julho, mostrou que 85% dos entrevistados acreditavam na veracidade das denúncias. A nota média do presidente caiu ao seu pior nível. Era impossível que uma visão assim tão negativa sobre o governo não atingisse o presidente, como se ele pairasse acima de todos os seus atos, escolhas e omissões.

A pesquisa de intenção de voto é prematura, até porque não se sabem os nomes que estarão na cédula. Nas simulações de primeiro turno sem José Serra, o "branco" e o "não sabe" estão em segundo lugar, mostrando a natural incerteza de uma análise tão precoce. Mas já se sabe que o país — ferido na alma, como diria Chico Buarque — está procurando dois produtos: honestidade e um bom programa para atender às suas necessidades. Instala em segundo plano a história de vida do candidato. Portanto, Lula tem que falar menos de seu conhecido passado e explicar mais o que foi que houve afinal no seu governo.

Só uma coisa se pode dizer a esta altura: a crise aumentou de forma exponencial a incerteza sobre o que vai acontecer na eleição de 2006. E pensar que até o começo do ano ela era considerada uma eleição sem susto.

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