Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 17, 2007

Roberto Pompeu de Toledo


O pior adversário
de Zé Roberto

Surge mais uma razão para os jogadores
de futebol quererem deixar o Brasil: o medo

O jogador Zé Roberto continuará no Brasil no segundo semestre? Fiquemos de olho. Assim como o INPC mede a inflação, o índice Bovespa o comportamento das ações e o risco-país o humor dos investidores, a decisão do craque será um indicador da sensação de segurança/insegurança dos brasileiros.

Zé Roberto, para quem não é ligado em futebol, destacou-se como o melhor jogador da seleção brasileira na última Copa do Mundo. Foi um dos poucos que escaparam com a reputação intacta – aliás, até bem robustecida – do naufrágio de uma turma mais propensa ao exibicionismo e às baladas noturnas do que aos labores do gramado. Zé Roberto (isso vai para aquela senhora que está coçando a cabeça e pensando: será aquele bonitinho, com nome que começa com "K"?... ou o dentuço de rabo-de-cavalo?) é aquele negro com cabelo espetadinho como se enrolado em bobes e cavanhaque. Joga no meio-de-campo e tem na elegância do toque de bola a característica mais charmosa.

Mal surgiu para o futebol profissional, Zé Roberto bateu asas e voou, atraído pelo irresistível mercado europeu. É a sina, hoje em dia, dos bons e mesmo dos não tão bons jogadores. O Brasil, que antes não tinha problema em manter nos próprios campos um Pelé, um Tostão ou um Rivelino, aceitou gostosamente, de uns anos para cá, regredir à condição de mero exportador de matéria-prima, como nos tempos do café ou da cana-de-açúcar. Zé Roberto jogou oito anos na Alemanha. No ano passado, aos 32 anos, voltou ao Brasil e firmou contrato com o Santos. No atual campeonato paulista, com a camisa 10 que um dia foi de Pelé, tem sido uma das principais atrações dos estádios.

De volta ao país depois de tantos anos na bonita Munique, vez ou outra espairecendo nos bosques da Baviera ou circulando pelas autobahns alemãs, deparou com o que já se sabe – uma vida mais áspera, cidades mais sujas – e, no terreno da criminalidade, com uma novidade, além do trivial variado de roubos, assassinatos e balas perdidas: os seqüestros de parentes de jogadores. Ainda na semana passada, deu-se o desfecho de um deles. A irmã do jogador Ricardo Oliveira, do Milan, da Itália, foi libertada, depois de 160 dias de cativeiro – o mais longo já registrado em São Paulo. Maria de Lourdes Oliveira, de 35 anos, foi mal alimentada, durante esse tempo todo, e sofreu socos e chutes. Ao ser libertada pela polícia, depois de denúncia anônima que propiciou a localização do cativeiro, apresentava-se chocada e debilitada.

Foi o oitavo caso de seqüestro de parente de jogador de futebol, e o segundo de uma irmã, em São Paulo. Os outros foram de mães. Entre esses, o mais notório foi o da mãe do jogador Robinho. Na época (2004), Robinho ainda estava no Santos – o mesmo Santos hoje de Zé Roberto – e desenrolava-se uma novela de vai-não-vai para o Real Madrid. O seqüestro da mãe ajudou-o a decidir-se pelo "vai'. Levou a mãe junto.

Zé Roberto, durante um recente programa do canal SporTV, disse que estava indeciso entre ficar e ir embora, uma vez encerrado seu contrato de um ano com o Santos, em julho. Ele tem propostas da Europa. Perguntaram-lhe, no programa, se os salários pagos no Brasil a um jogador de primeira linha, como ele, não são capazes de lhe garantir a independência financeira. Ele disse que sim. Subentende-se que esse lado, no seu caso, não é o decisivo. A conversa mudou de rumo e Zé Roberto, que é inteligente e tão elegante fora quanto dentro de campo, abriu uma fresta para o que se passa em seu íntimo. Afirmou-se chocado com o Brasil que reencontrou – a violência, os crimes. Confessou-se inconformado com o fato de não poder usufruir no Brasil – "no meu país!" – aquilo que amealhou com seu talento e dedicação. Perguntaram-lhe se isso vai pesar na sua decisão. Respondeu que sim. Ficou a impressão de que será o que mais vai pesar.

O Brasil não perde jogadores apenas para superpotências do futebol como Espanha e Itália. Perde também para países em que não se vislumbra razão para possuírem mercados futebolísticos mais fortes que o brasileiro, como Ucrânia e Turquia. A conversão maciça do país em mero exportador, como a Guiné é de bauxita e o Equador de bananas, deve-se a uma mistura de má administração do esporte nacional com o conluio de dirigentes e empresários que têm nas transferências um milionário maná, mais o vírus cultural que inoculou nos jogadores a noção de que bom é jogar no exterior. A essas razões se deve agora acrescentar, da parte dos jogadores, o medo. É uma razão respeitável, porque diz respeito à conservação da liberdade, da integridade física e, em última análise, da vida. Dá para imaginar o que se passa pela mente de Zé Roberto quando sai para o treino ou o jogo e deixa a mulher e os filhos em casa. Mesmo estando fora, como Ricardo Oliveira, há o risco de ter um parente vitimado. Mas pelo menos a mulher e os filhos, a mãe, e os mais que se puder carregar, estarão em território seguro. Funciona como a instituição do asilo, para perseguidos e ameaçados em ditaduras ou guerras civis.

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