O Globo |
9/3/2007 |
Como é improvável que hoje, ao final da visita do presidente dos Estados Unidos George W. Bush, haja um comunicado oficial, ou mesmo uma vaga indicação, de que o governo americano vai isentar as importações de etanol da taxação de US$0,14 por litro, política que acaba de ser renovada pelo Congresso americano de maioria democrata e vigorará até o final de 2008, é de se perguntar por que o governo brasileiro está empenhando toda sua retórica política nesse ponto, que parece improvável de ser alcançado, a curto prazo pelo menos. No momento, consumimos quase tudo o que produzimos: 14 bilhões de litros de etanol, de uma produção de pouco mais de 16 bilhões de litros de etanol. Temos, portanto, a curto prazo, pouco a ganhar com a discussão, pois temos pouco a exportar. O ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, começa a trabalhar uma idéia que pode ser mais eficaz para nossos interesses: criar um fundo, com essa taxação de importação, para financiar pesquisas conjuntas na área do etanol para os países produtores. É claro que, a longo prazo, a taxação da importação do etanol será cada vez mais prejudicial à economia brasileira, pois temos uma liderança no assunto, com a experiência de 30 anos do uso do etanol, desde o Próalcool, criado em 1975 como resposta aos choques do petróleo. Mas Rodrigues ressalta uma evidência: com dinheiro e projeto estratégico, em pouco tempo os Estados Unidos, que dividem com o Brasil a produção de 70% do etanol mundial, podem nos superar e dominar a tecnologia em que hoje somos líderes mundiais. Os Estados Unidos também desenvolvem alternativas ao petróleo desde a década de 1970, e estão na fase de implantação das biorefinarias desde 2001, dentro da National Energy Policy (Política Energética Nacional). São 11 os programas básicos na questão energética, e só no da biomassa o objetivo é substituir o consumo corrente de petróleo em 30% até 2030. No caso do etanol, a indústria do milho nos EUA é considerada por especialistas negócio consolidado há muitos anos com perfeita infra-estrutura agrícola, industrial e comercial. O ex-ministro Roberto Rodrigues ressalta que muitas usinas são controladas pelos fazendeiros do Meio-Oeste, região produtora de grãos que tem um lobby centenário e com sentido nacionalista. Na sua cadeia atual de produção estão destinando 2% para produzir álcool do amido. Mas os objetivos são muito maiores do que produzir milho para dar às galinhas, como gosta de dizer o presidente Lula. Do álcool eles pretendem obter os insumos da cadeia química fina que tem origem no petróleo. Com a iniciativa privada, desenvolvem uma segunda geração de produtos e indústrias. Como lembra Roberto Rodrigues, em estudo realizado com Luis Antonio Pinazza, diretor da Associação Brasileira de Agribusiness, na matriz energética brasileira a biomassa já representa 29%, enquanto na mundial é apenas 11%. Com novas tecnologias já em avaliação e em estudo, será possível dobrar, em 10 anos, a produção de álcool por hectare no país. O carro flex fuel, marca registrada brasileira e que começa a ser copiado lá fora, vai exigir, nos próximos dez anos, um aumento de 12 bilhões de litros, só para o consumo interno. Para isso, já estão em construção 43 novas destilarias no país, e uma centena de outras estão sendo projetadas. Planejada para 2017, a produção é de 38,6 bilhões de litros, mais que o dobro da de 2006. O consumo interno para 2017 está previsto em 28,4 bilhões de litros e as exportações em 10,3 bilhões. Mas a meta estabelecida pelo governo dos Estados Unidos é de elevar a produção de 28,4 bilhões para 132,5 bilhões de litros de 2012 a 2017, para reduzir o consumo de gasolina em 20%. Esse volume será quatro vezes superior à produção brasileira prevista para o período. Com 110 usinas em operação e outras 73 em construção, a produção de etanol conta com medidas protecionistas. Os subsídios federais de US$0,13 por litro, recebidos pelas destilarias para misturar 10% de etanol na gasolina, tem prazo até 2010. Na nossa área agricultada de 62 milhões de hectares, perto de seis milhões são cultivados com cana-de-açúcar, dos quais 50% vão para a produção de etanol e os outros 50% para açúcar. Segundo ele, temos um potencial de mais 22 milhões de hectares aptos para a cana-de-açúcar, o que supera de longe qualquer país ou até continente no planeta inteiro. Além do mais, Rodrigues garante que temos mais 90 milhões de hectares cultiváveis, dentro dos atuais 200 milhões de hectares de pastagens, portanto sem entrar em ecossistemas como a Amazônia, permitindo que o aumento da área da cana não prejudique a produção de alimentos ou fibras. No entanto, para exportar biocombustíveis, equipamentos e tecnologia, precisamos de algumas providências, segundo Roberto Rodrigues: - Coordenação: há pelo menos sete ministérios interessados no assunto, além de uma dezena de instituições governamentais. É fundamental que a estratégia seja unificada. - Ação privada: precisamos transformar o etanol e o biodiesel em commodities. É preciso estimular a produção em outros países, estabelecer padrões e parâmetros internacionais e, sobretudo, "vender a idéia" para potenciais grandes consumidores, como países asiáticos. - Tecnologia: embora detenhamos hoje a melhor tecnologia mundial no assunto, este é um processo dinâmico e, se não investirmos vigorosamente, outros países nos tirarão o comando dos processos. - Recursos humanos: dada a ampliação espetacular da área com cana, e o número crescente de unidades industriais, será necessária a formação de recursos humanos altamente capacitados para desenvolver o setor. |
Entrevista:O Estado inteligente
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