Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 17, 2007

As mentiras do presidente Marcelo Rubens Paiva


No laboratório de clínica de medicina diagnóstica dos Jardins, todos assistiam ao discurso do Lula por uma imensa tevê plasma na sala de espera. Qualquer fala de qualquer presidente reverbera entre muitos e por muito tempo. O cético ao meu lado rimou: 'Como mente o nosso presidente.'

Fechei o jornal rispidamente. Me olharam. Eu disse: 'Mais um comentário banal do brasileiro rico, inconformado, despolitizado, que detesta impostos, deslumbrado com o neoliberalismo que não cria alternativas viáveis contra a má distribuição de renda, que gosta de Punta, descobre Trancoso e óculos Ray-Ban, e diz coisas como 'no Brasil nada funciona', 'todo político é ladrão', 'todo governante é mentiroso', 'precisamos pôr a polícia nas ruas', 'aonde vamos parar com tanta violência', 'as autoridades precisam fazer algo', 'tinham de expulsar esses camelôs da cidade', 'você sai de casa e não sabe se volta vivo', 'podiam colocar o Exército nas favelas', 'tinha de aumentar a pena para todos os crimes, prisão não cura mesmo'. Surpresos? Ora, podem acusar o Lula de ignorante, despreparado, de falar besteira, mas mentiroso não é, nunca foi! Onde vocês estavam durante a ditadura? Quem o acompanha desde os anos 70, militou com ele nas Diretas, viu o PT crescer e tomar o poder, sabe que Lula não mente. Ele omite, se faz de desentendido, olha para os lados e se esconde atrás de assessores mais caras-de-pau. Por isso, Zé Dirceu e a velha esquerda foram tão importantes para ele!'

Claro que não falei nada disso. Apenas sorri, ajeitei o meu Ray-Ban e voltei a ler a matéria sobre Punta, planejando conhecer antes do meu Alzheimer.

Seria engraçado uma defesa contundente naquele lugar. Me confundiriam com um espião das Farc fluente em português, fazendo um checapezino básico em São Paulo. Se bobear, chamariam a Rota.

Imaginei a reação ao mesmo discurso, transmitido pela tevê de 17'', na sala apinhada do posto de saúde do Cariri - onde não tem vila, mas vilarejo -, terra de Xico Sá e meu apelido em Santos: 'Este homem vai mudar o País'; 'Deus dê forças para continuar'; 'precisa acabar com a miséria, tirar dos ricos e dar aos pobres'; 'os ricos ficam com a riqueza do Brasil'; 'tinha de prender todos os banqueiros'.

Mas de repente escuto Lula falar um absurdo. Segundo ele, não há déficit na Previdência. Mentira 1. O rombo vem não só da aposentadoria de camponeses pobres que nunca contribuíram, mas sobretudo do funcionalismo público, histórico suporte petista, que alega ser um direito adquirido. Adquirido democraticamente durante a ditadura de Getúlio, a militar, no AI-5, ou com Congresso com senadores e deputados biônicos do Pacote de Abril? Ou foi naquele momento democrático de representação destoante da matemática, sem fidelidade partidária? Quem estava no plenário, a máfia dos sanguessugas, do mensalão, os anões do orçamento? O direito adquirido por uma categoria quebra uma Nação.

Escuto a mentira 2 de Lula: 'Quem é responsável pelo aquecimento global são os países lá de cima, aqui nós fazemos a nossa parte.' O quê? O Brasil contribui com 6% na emissão de carbono, apesar de sua participação na economia mundial ser menos do que 2%. Um índice altíssimo para um país pobre.

As queimadas representam 75% da nossa emissão. Fruto do desmatamento da Amazônia, inclusive com projetos financiado pelos cofres públicos, para aumentar a área de pastagem e o cultivo de soja. Sem contar a inauguração próxima de termoelétricas, usinas no topo da lista de causadores do aquecimento, a falta de smog test nas grandes cidades, a fiscalização dos escapamentos de caminhões nas estradas, e o extenso gado pastando pelo País, aquecendo o planeta por ventosidade traseira.

Finalmente, mentira 3, a de que o biodiesel e o álcool são soluções para o aquecimento. Quem disse? Quer dizer que derrubar matas e cerrado para plantar em escala industrial o babaçu ajuda a diminuir a emissão de CO2? Não funcionou com a palma, na Indonésia, onde houve um descontrole ecológico.

Ninguém sabe ao certo se o álcool é uma resposta relevante para o desequilíbrio ambiental. O achado que nasceu no governo militar para combater a crise do petróleo foi bom para o Tesouro e o ar das grandes cidades, mas não produziu uma pesquisa séria. Quem garante que não é um desastre ambiental sem proporções passar o trator sobre o Estado de São Paulo e Paraná, com a sua terra roxa altamente produtiva e rara, e plantar cana? E as queimas em sua colheita? E as árvores derrubadas? E por que até hoje só no Brasil tem álcool nas bombas, por que somos mais espertos do que o resto do mundo?

Lula aprendeu a mentir. Paradoxalmente, como FHC, garante uma estabilidade política institucional invejável ao nosso continente. Olhe em volta, nossos políticos não são tão ruins assim. A mentira une.

Um amigo que trabalha no Ministério de Meio Ambiente torce para que Lula, depois de ler o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), relatório da ONU sobre o aquecimento, aumente a verba do ministério petista. Repliquei sem querer: 'Ele não vai desperdiçar a chance de criar outro ministério, o do Aquecimento Global, e dar para um aliado do PP, PDT, PMDB ou PTB.'

O Oscar vem aí. Sou da turma que não gostou de Babel. Vi muitos erros no roteiro. Talvez influenciado pela briga entre diretor (Alejandro González Iñárritu) e roteirista (Guillermo Arriaga), dupla que parecia perfeita como a cana e o pastel.

Turistas que propõem uma viagem pelo meio do deserto do Marrocos são aventureiros, e não aqueles nerds apresentados como egoístas e covardes, que temem se aproximar da população local e interagir, confere? Outra, o que aconteceu com o personagem de Gael? E o seu revólver na cintura? Outra, uma bala perdida na África não é um caso que mobiliza a imprensa mundial daquela maneira. Outra, se uma arma for usada no Rio de Janeiro, como na África, seu dono será imediatamente rastreado, como no filme? Finalmente, como lembrou Daniel Piza, que nominho pretensioso...

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