Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 07, 2006

Luiz Garcia - Desdemocratização



O Globo
7/11/2006

Durante a campanha eleitoral, a tese da "democratização da mídia" saiu de cena. Houve breve menção, quando foi sugerida para inclusão nas propostas do PT para o próximo mandato, mas ficou nisso. Oficialmente, o partido não a encampara.

Eleição no papo, ela já pulou das coxias para o palco.

Em nota oficial, semana passada, o presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, fez críticas ao papel da imprensa na cobertura da campanha. Pode e deve estar certo em alguns episódios. Mas Garcia vai além, e parte das críticas para o anúncio de que o partido, e, portanto, o governo, lutará agora pela "democratização dos meios de comunicação".

Já se sabe como: o deputado petista Walter Pinheiro, da Bahia, apresentará projeto a respeito. Tem dois pontos principais, diz o autor: "maior participação de movimentos sociais no controle do setor" e "incentivos legais e econômicos para a criação de jornais e revistas independentes". É precisamente o projeto que, por conveniência, foi cortado do programa pré-eleitoral.

Ao pé da letra, é besteirol puro. Como "movimentos sociais" controlariam a mídia? Opinando sobre editoriais? Aprovando ou proibindo temas de reportagens? Decidindo quem pode e quem não pode exercer a profissão? E que entidades se enquadram na definição de movimento social, aos olhos do governo?

A idéia dos incentivos para independentes já não fazia sentido na primeira vez que a mencionaram. Independência em relação a quê? Certamente, não em face do Estado, se dependerem de incentivos oficiais para existir.

Serão revistas, jornais, sites etc. cuja sobrevivência dependerá, de forma capital, do órgão oficial que controlar a torneira dos incentivos. Isto é, as verbas do Estado que pagarão suas contas.

É cansativo repetir o óbvio: a mídia, em regimes democráticos, jamais será independente se depender de qualquer ajuda ou permissão oficial. O certo e natural é que viva apenas graças aos anúncios e aos leitores, ouvintes ou espectadores. Esse é o jogo aberto, limpo. É como funciona a mídia em todos os regimes democráticos.

Os veículos que a sociedade decidir que lhe prestam serviços indispensáveis ou simplesmente desejáveis, principalmente na área da informação, mas também no lazer, terão leitores e audiência. E, por isso, anunciantes. Assim, prosperarão. Já quem se portar mal, responderá na Justiça, que regulamenta os delitos de calúnia, difamação e injúria, assim como o direito de resposta.

O pessoal interessado em domesticar a mídia fala em incentivar quando só pensa em controlar. É frágil disfarce para a intenção óbvia de domesticar um instrumento do regime democrático que só presta bons serviços à sociedade quando não depende da simpatia ou da generosidade de partidos políticos ou do Estado.

Nada disso é novidade. Mas tem de ser assim mesmo: para ameaças repetidas, as verdades conhecidas.

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