Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 05, 2006

JOÃO UBALDO RIBEIRO O amor é lindo


Felizmente, parece mesmo que não há mais condições no Brasil para tentar virar o jogo na marra, como já aconteceu em outros tempos. O fato é que Lula ganhou a eleição com uma margem consagradora, a maioria dos votantes o escolheu, ele se confirmou presidente constitucionalmente eleito e legítimo, o único nessas condições. O resto é choro dos derrotados ou inconformados, o qual, como no futebol, é livre. Não interessam ponderações, explicações e até alegações de que o povo votou errado, coisa que muita gente tem a cara-de-pau de fazer. Não existe esse negócio de voto errado, a não ser na cabeça individual de quem pensa assim. Voto não pode ser errado, é sempre certo. Não se estabeleceu que a maioria escolhe o chefe do Executivo livremente, por voto direto e secreto? Pois foi isso o que aconteceu e não cabe a ninguém tirar onda de porreta (palavra baiana cujo uso geral acho que faz falta, porque é bem expressiva) e dar notas à performance popular, terminando por reprová-la. A discussão sobre se houve “erro” na votação é meramente acadêmica e, claro, não pode ser proibida ou cerceada, mas é acadêmica e a essa condição deve circunscrever-se.

Felizmente também, certa mentalidade golpista, que ainda deixou escapar alguns gases de sua adiantada decomposição (esperamos todos, pelo menos) durante o período eleitoral, parece não ter mais terreno em que medrar. Bem verdade que o próprio PT, antes da acachapante vitória, andou querendo, de forma muito pouco convincente e até patética, invocar esse fantasma, mas não colou, está muito fora da moda. E, além de tudo, a massa de votos do presidente é tal que esse golpismo, mesmo que ainda tivesse alento, ia provavelmente dar-se muito mal. Se consideradas cabíveis, as medidas propostas contra o presidente devem ter seu trâmite normal, através das instituições adequadas. Eu sei que, no tempo em que não estava no poder, o presidente Lula era a favor, pelo menos aparentemente, ao “Fora FHC”, contra o qual me manifestei, como me manifestei contra o “Fora Lula” que se esboçou. Continuo absolutamente contra movimentos desse tipo. Temos instituições estabelecidas, temos um ordenamento jurídico e devemos fazer tudo dentro da lei.

Até aí morreu Neves, é claro. Mas achei que tinha de repetir isso tudo, muito menos por minha causa - pois minhas opiniões sempre foram expostas aqui para quem quisesse saber delas - do que pelo fato de que parece que não entrou direito na cabeça de algumas pessoas, como as que me pediram para desancar o presidente imediatamente, clamando pela saída dele. Ou seja, preciso me cuidar, porque pensam que sou muito mais maluco do que sou. Não sei de onde alguém pode tirar a idéia (aliás, sei, mas não quero ofender ninguém) de que sabe melhor do que o povo o que é bom para ele e de querer escolher governantes dessa forma.

Estou fora dessas todas. Mas também é indispensável lembrar que, da mesma forma que a eleição não trouxe mudança alguma e sacramentou o que está aí, eu tampouco mudei de maneira de pensar e não vejo razão para mudar. Muito menos, é claro, aderi ao esquema governante, nunca aderi a esquema nenhum. Apenas não vou cometer a petulância ridícula de vir a público afirmar que o eleitor está errado e devia acatar minhas opiniões desde o começo, até mesmo para não chegar à escolha, para muitos desagradável ou inaceitável, entre Lula e Alckmin. Se estamos (não estamos, mas temos umas tinturas) numa democracia e o que vale é a vontade da maioria, o que a maioria quer é que está certo e, portanto outra vez, não existe voto errado. Temos todos direito à nossa opinião, mas não temos o direito de impô-la à maioria.

Agora, também não vou entrar nesse verdadeiro Festival da Primavera, da Flor, do Amor e das Valsas ao Luar que aparentemente se instalou. Parece assim que o presidente Lula está começando agora, que não tem quatro anos de governo nas costas, que tudo é o raiar de um novo dia, em lindo arrebol furta-cor. Até a “esquerda” brasileira comemora a reeleição de seu candidato, apesar de este dizer que não é de esquerda, não saber bem o que é esquerda, nem nunca ter feito qualquer coisa de esquerda, muito pelo contrário. Quanto às “elites”, nem ligaram muito para a eleição e jogaram lá um candidato provinciano, sem história política nacional e sem a menor condição de ganhar. Estão muito bem servidas com Lula e, embora talvez preferissem um presidente de origem chique, de olhos azuis, alto, louro e simpático e falando 16 línguas, esse aí vem quebrando o galho dela numa boa, até alisou o cabelo e injetou botox para adequar melhor o visual ao desejável.

Dirá alguém que estou esquecendo o vasto programa social de Lula. Não, não estou, como estaria? Só que não é programa social coisa nenhuma, é a verdadeira PPP (Programa de Pobreza Progressiva), porque não está tirando dinheiro dos ricos para alimentar os pobres. Está tirando dos pobres mesmos, que pensam que barão é quem paga imposto (barão nenhum paga imposto e, quando paga, repassa), porque acham que pagar imposto é desembolsar concretamente dinheiro e não morrer em quase 50% sobre um quilo de açúcar ou de feijão. E se afana também uma boa grana da classe média, mas dos ricos nunca. Isso não é programa social, é assistencialismo mesmo e a esmola, no bom dizer de Luiz Gonzaga, vicia o cidadão.

Mas, que diabo, vamos deixar a presente nova lua-de-mel rolar, está certo, o amor é lindo, não estraguemos a festa. É verdade, fico me sentindo assim meio desmancha-prazeres, queiram por favor desculpar. Só tencionei lembrar não se tratar de começo, mas de continuação. Que dispensaria bordões novos, como “deixem o homem trabalhar”. Quem o estava impedindo antes?

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