Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 12, 2006

ELIO GASPARI

Átila capturou o Rio disfarçado de Cesar


Presidente do Iphan corre o risco de liberar canibalização de um parque tombado por Rodrigo Mello Franco

NÃO SE SUSTENTA a tese segundo a qual a obra do marina-shopping do aterro do Flamengo é necessária para o êxito dos jogos Pan-Americanos.
Isso porque o Rio de Janeiro dispõe, há mais de um século, de um porto capaz de receber porta-aviões, garagens e equipamentos náuticos. Ele fica logo ali, na praça Mauá.
A marina-shopping é parte de um projeto de canibalização do aterro. Tombado pelo Patrimônio Histórico em 1965, o parque traçado pelo arquiteto Afonso Eduardo Reidy (ele assina o MAM e as passarelas), é uma área onde não se pode fazer novas edificações. Onde não se pode construir, construir não se pode.
Para se entender o que a decisão de preservar o aterro deu ao Brasil basta percorrer a orla do Rio que vai do fim de Botafogo ao início da ponta do Calabouço. Nas extremidades do parque, há áreas que não foram protegidas.
Ambas foram arruinadas pela selvageria, com galpões e monstrengos, inclusive uma piscina aérea, embaixo da qual há um posto de gasolina.
É possível equipar o velho porto da cidade com todas as obras necessárias ao Pan.
Mais: em vez de desfigurar uma jóia do urbanismo brasileiro que não precisa de barcos nem de lojinhas, revitaliza-se uma área degradada.
Em vez de mexer (para pior) no que dá certo, a administração do doutor Cesar Maia devia pensar em interferir no que está estagnado. Era no porto que ele queria espetar uma franquia financeira do Museu Guggenheim.
O atual presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, caiu numa enrascada. Ocupa um cargo honroso. Senta-se na cadeira onde esteve Rodrigo Mello Franco de Andrade, o intelectual que deu ao Brasil a noção de patrimônio cultural. Almeida corre o risco biograficamente devastador de autorizar a canibalização de um parque cujo tombamento foi assinado exatamente por Rodrigo Mello Franco.

A CONDESSA NEGRA DE VASSOURAS

Está nas livrarias "A cegueira e o Saber", de Affonso Romano de Sant'Anna. É uma coletânea de 57 pequenos artigos que publicou entre 2001 e 2005. Alegra, informa e educa. Dois textos tratam de obras-primas recusadas por editores. Três casas rejeitaram Marcel Proust, que se oferecia para custear a publicação de "Em Busca do Tempo Perdido". Dois patrulheiros fizeram época: O poeta T. S. Eliot rebarbou "1984", de George Orwell, e o romancista Elio Vittorini chuçou "O Leopardo", de Tommasi di Lampedusa.
O livro preserva seis artigos nos quais Affonso Romano tratou da história do conde russo Maurice Haritoff. Ele veio ao Brasil para uma festa, na segunda metade do século 19, e acabou casando-se com Nicota Breves, sobrinha dos irmãos Breves, os homens mais ricos do país (37 fazendas, 6.000 escravos).
Para desgosto de Nicota, Haritoff enrabichou-se por Regina Angelorum, uma escrava da fazenda. A herdeira morreu jovem, os Breves perderam a fortuna com a abolição e, em 1906, Haritoff casou-se com Regina. Explicou que, como cavalheiro, não podia proceder de outro jeito, pois tinham filhos. Acabaram seus dias numa chácara. O conde virou nome de rua em Copacabana e mais tarde cassaram-no, para homenagear Ronald de Carvalho. Iwan, o caçula da dinastia Angelorum-Haritoff, viveu em Vassouras até 2002. Tinha 92 anos e duvidava das histórias que lhe contavam. Affonso Romano conseguiu documentação e memórias inéditas dessa história. O livro impedirá que seus achados durmam nas coleções de jornais velhos.

O F..ÃO E O F...INHO
Numa rara entrevista, João Cerqueira Santana, o marqueteiro da reeleição de Nosso Guia, contou ao repórter Fernando Rodrigues sua estratégia vitoriosa. A alma do negócio foi aproveitar a existência de dois Lulas no imaginário do eleitorado do andar de baixo. Segundo a versão light da fala de Santana, um Lula "fortão" e outro, "fraquinho", alternavam-se em posições de força ou de vítima. A duas palavras não eram exatamente essas mas também começavam com a letra "F".

DESFALQUE
O economista José Roberto Afonso, principal cabeça econômica (com números) do PSDB, encerrou colaboração na assessoria técnica do tucanato.

GRATIDÃO
Nos Estados Unidos, banqueiro que se mete em malfeitorias acaba mal e quem o apanha tem a gratidão da escumalha. O ex-procurador-geral Eliot Spitzer elegeu-se governador de Nova York quatro anos depois de ter encurralado a corretora Merrill Lynch e outras dez grandes papeleiras, acusadas de manipular o mercado e prejudicar os investidores. Os banqueiros pagaram US$ 1,5 bilhão para encerrar o processo. Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York, está na disputa pela candidatura a presidente pelo partido Republicano. (Tem poucas chances.) No final dos anos 80, ele encarcerou o banqueiro Tony Guebauer, por ter desviado dinheiro da conta de seus clientes no banco Morgan. Não foi tanto quanto alguns deles disseram, mas essa é outra história.
Guebauer foi o primeiro chefe da equipe de negociadores da banca internacional com o governo brasileiro depois da bancarrota de 1982.

REGISTRO
Para o registro do segundo governo Lula: em julho, ao saber que o tumor extraído de seu abdome era maligno, o vice-presidente José Alencar telefonou para Nosso Guia informando-o. Disse-lhe que podia liberá-lo da condição de candidato a vice-presidente em sua chapa. Lula decidiu mantê-lo.

FILANTROPIA
País rico é outra coisa. No Brasil, a USP cedeu um terreno de seu campus Leste para que a siderúrgica Belgo-Mineira (controlada pela Arcelor) o usasse como estacionamento. A leite de pato. A Arcelor é o maior grupo siderúrgico do mundo, com 330 mil empregados. Na França e na Bélgica, países miseráveis, a empresa sustenta cinco cátedras nas Universidades de Paris, Louvain e Liège (alma mater de Carlo Panunzio, o vice-presidente no Brasil) . Para fazer as coisas direito, a reitoria da USP devia inaugurar a placa: "Estacionamento Arcelor, filantropia da patuléia brasileira".

ABAFA
O tucanato não se emenda. Está em vigor um grande acordo em proveito do sossego de Nosso Guia. É falta de educação repetir a pergunta: "Lula, de onde é que veio o dinheiro?"

REVELAÇÃO
Saiu nos Estados Unidos uma nova (e boa) biografia de Dean Acheson, o elegantíssimo secretário de Estado norte-americano entre 1945 e 1952. Foi escrita por Robert Beisner, professor da Universidade de Chicago. Conta que, logo depois do fim da guerra, Acheson pensou "vagamente" em conseguir do Brasil uma área que viria a ser uma pátria para os judeus que estavam na Palestina.

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