Artigo - Pedro S. Malan |
O Estado de S. Paulo |
12/11/2006 |
Apenas dois presidentes civis, eleitos pelo voto popular, passaram o cargo a outro presidente, também civil e diretamente eleito, nos últimos 80 anos de nossa História republicana: JK e FHC. O presidente Lula deve ser o terceiro, em 2010. O exercício da democracia é um difícil aprendizado coletivo, envolvendo processos que transcendem de muito os momentos de disputa eleitoral. Estes processos estão em andamento no Brasil e é fundamental que continuemos avançando em sua consolidação. Tão importante quanto é continuar avançando na consolidação dos avanços logrados nas áreas econômica e social. Processos de mudança que não começaram do zero, a partir do início de 2003, como pretende a aparentemente inesgotável série do “nunca ninguém antes...” Por exemplo, não será demais notar que, em boa medida, o desempenho brasileiro no quadriênio 2003-2006 é explicado por três fatores básicos: um contexto internacional extraordinariamente favorável (só comparável, em crescimento mundial, ao quadriênio 1970-1973); uma política macroeconômica “não-petista”, particularmente durante a gestão do ministro Palocci; e uma herança “não-maldita” de avanços institucionais e mudanças estruturais alcançados na vigência de administrações anteriores. Inclusive na área social, onde o grande programa do governo - o Bolsa-Família - é, como sabem os minimamente informados, uma junção e continuação, ampliada, de programas sociais do governo anterior, apresentada como algo que “nunca antes teria existido na História deste país”. Seria um excesso de ingenuidade política esperar que o atual governo reconhecesse isto de público, durante o processo eleitoral. Assim como preocupante seria se as principais figuras do governo de fato desconhecessem ou negassem estas evidências em suas conversas reservadas. Mas o processo eleitoral terminou. É hora de descer dos palanques e voltar a considerar, sem bravatas e jargões, o tema central dos próximos meses e anos: como criar bases para a elevação do investimento e do crescimento econômico, sem o qual não há progresso social sustentado. Isto exige debate sério, e não anúncios de “decisões políticas” de crescer pelo menos a x% ao ano a partir de agora. É desonestidade intelectual, além de falta de ética no debate público, imputar a indivíduos, e a supostas escolas de pensamento a que pertenceriam, a oposição ao desenvolvimento econômico e social porque esta “preocupação” teria sido já apropriada e transformada em monopólio de “desenvolvimentistas”. O enfrentamento das difíceis escolhas à frente seria mais efetivo se pudéssemos perder menos tempo e energia com falsos dilemas, dicotomias simplórias, diálogos de surdos e rotulagens destituídas de sentido, exceto para os militantes. Há pessoas que se consideram portadoras de um superior entendimento das coisas deste mundo porque acusam outros de “neoliberais”. Ainda que sejam incapazes de explicar o que o termo significaria, na sua maneira de entender. E há os que se consideram do lado “correto”, política, social e culturalmente falando, porque se autoproclamam “desenvolvimentistas”, contra a categoria oposta dos “monetaristas”, às vezes substituídos por “fiscalistas” - coisa vista como ruim, embora talvez um degrau mais bem situado na escala do opróbrio. Em outros países do mundo em desenvolvimento, seriamente empenhados em avançar em termos de eficiência, produtividade, competitividade internacional, ciência e tecnologia, é impensável que se perca tempo discutindo “controvérsias” deste tipo. Se a moda prospera, corremos o risco de ter entre nós uma espécie de “parque temático” a ser visitado por saudosistas de velhos embates imaginados, como alguns intelectuais que viajam até Chiapas para ouvir o Comandante Marcos falar sobre outros mundos possíveis. Talvez em nenhum outro país de relevante expressão econômica no mundo de hoje seja possível encontrar um ministro das Finanças que anuncie: “Nosso objetivo máximo é implantar o social-desenvolvimentismo... Hoje é um novo modelo... É inédito no país.” Vale uma viagem ao país em questão para tentar entender do que se trata. Em nenhum outro país de relevante expressão econômica no mundo de hoje seria possível encontrar um importante ministro de Estado que, além de decretar com estardalhaço o fim de uma era, anunciasse que chegara ao fim a preocupação com o “controle neurótico da inflação”. Que nome teria esta “novíssima era”? Vale uma visita ao parque temático. Felizmente, o presidente Lula mostrou, de pronto, muito melhor intuição e tirocínio que muitos dos seus, ao desautorizá-los publicamente e ao reafirmar algo que por 12 anos veio, gradualmente, deitando raízes entre nós desde a vitória do Real sobre a hiperinflação, em 1994. Disse o presidente, dirigindo-se, aparentemente, à sua grei: “O controle da inflação permanece sendo prioridade por causa do impacto considerável na vida dos mais pobres. Nós não podemos nos permitir um passo em falso neste terreno.” Não creio que esta posição permita que nosso presidente possa ser acusado, como durante anos foi moda entre nossos ideólogos, de neoliberal, monetarista, subserviente aos ditames do Consenso de Washington e adepto do pensamento único. Em 30 de outubro, ao afirmar que “a austeridade fiscal será mantida com seriedade”, o presidente estaria adotando uma posição antidesenvolvimentista? Chegou a hora de falar mais sério ao longo dos próximos anos, desarmar os palanques e abandonar de vez os falsos dilemas e os estéreis debates sobre rótulos que hoje nada mais significam. Afinal, as democracias mais bem-sucedidas do mundo foram as capazes de combinar liberdades individuais, justiça social e eficiência nos seus setores privado e público. É certo que cada país tem de encontrar seu caminho para tal. Mas não há necessidade alguma de discursos grandiloqüentes sobre inéditos modelos, nunca antes imaginados. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, novembro 13, 2006
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