Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Claudio de Moura Castro


As crendices
do vestibular

"O vestibular é um dos maiores focos
de crendices e antipatias, por ser um
ícone da meritocracia, tão avessa
aos gostos tupiniquins"


Ilustração Atomica Studio


"Vou acabar com o vestibular!"

Quantos ministros da Educação prometeram isso ao tomar posse? Tolice. Pode mudar de nome, mas, se há mais candidatos do que vagas, é preciso uma prova para garantir que os melhores sejam escolhidos. No caso dos cursos concorridos, menos entram, mais cobiçados ficam. Em contraste, já há muitos cursos superiores com menos candidatos do que vagas. Aliás, nada errado com isso. Só que neles o vestibular é mera liturgia (exceto por permitir às faculdades conhecer melhor seus alunos).

O vestibular é um dos maiores focos de crendices e antipatias, por ser um ícone da meritocracia, tão avessa aos gostos tupiniquins. Vejamos outras.

"Coitadinho, tem de estudar tanto!"

Em todos os países sérios, o ingresso nas melhores universidades é brutalmente competitivo, bem mais do que no Brasil. Pesquisas no último ano do ensino médio, em escolas privadas, mostraram pouco mais de uma hora de estudo diário depois da aula.

"O vestibular é uma loteria!"

Podem-se acertar algumas questões por acaso. Mas, sem saber, não se acertam muitas. Aliás, o acerto por sorte é igual para todos. Portanto, passa quem sabe mais respostas certas. Só passa por sorte quem está concorrendo com outros candidatos que tampouco sabem as respostas certas, e isso só acontece nos cursos menos cobiçados. Apenas nesses casos vale a tese de que passa o ignorante sortudo.

"É absurdo decidir tudo em uma só prova!"

Pesquisas mostram que as notas refletem o que sabe o aluno. Elas quase não variam em virtude da inspiração do momento ou da mosca que distraiu sua atenção. Além disso, as provas predizem bem o desempenho na faculdade. Nosso sistema não é diferente dos exames de fim de secundário na Europa. Lá, provas parecidas aos nossos vestibulares determinam quem entra em qual universidade (e quem nem sequer terá diploma de secundário).

"É pura decoreba!"

Já foi verdade. Hoje, nas melhores universidades, o exame mede muito mais raciocínio do que memória. Aliás, uma pesquisa na USP mostrou que, se fosse trocado o vestibular pelo Enem, os aprovados seriam praticamente os mesmos.

"Cursinho é para adestrar, para aprender onde pôr as cruzinhas!"

Verdade, se o vestibular for de decoreba. Se for um vestibular inteligente, o que hoje predomina nas boas universidades, o cursinho terá de educar de verdade, pois sem aprender não se passará na prova.

"Não se podem testar conhecimentos marcando cruzinhas."

Sabe-se com total segurança que isso não é verdade. Provas de múltipla escolha bem-feitas exigem raciocínios complexos e sofisticados para decidir onde pôr a cruzinha. E, na sorte, o aluno só compete com outros igualmente ignorantes. (Contudo, é péssima idéia usar provas de múltipla escolha durante o curso.)

"A prova deste ano foi muito difícil!"

Verdade ou mentira? É irrelevante. A prova é a mesma para todos. A dificuldade está no que sabem os outros candidatos. Se sabem muito, é mais difícil passar. É como em um jogo de futebol, a dificuldade não está nas regras, mas na competência do adversário.

"Se se trocar o vestibular pelo Enem, serão aprovados analfabetos!"

Qualquer que seja a prova, se há mais vagas do que candidatos no curso escolhido – mesmo nas melhores universidades –, o sistema classificatório aprova qualquer analfabeto (e eliminar tal sistema seria mexer em vespeiro).

"Os vestibulares das universidades públicas criam distorções no ensino médio."

Dentre todas, essa é a única afirmativa verdadeira. O vestibular das universidades públicas funciona bem, mas virou o real currículo para as escolas da cidade – o que está errado. Pior, em vez de focalizar o raciocínio e os pontos importantes da educação, como faz o Enem, leva à dispersão de esforços, fazendo com que os alunos se percam em listas enciclopédicas de conhecimentos e detalhes. Isso é menos grave nas melhores escolas, em que os alunos já têm base mais sólida. Mas é uma distorção grotesca no caso de alunos que nem sequer pretendem entrar no superior. Recebem uma carga de conteúdos muito maior do que dão conta de aprender. E, bem sabemos, quando se ensina demais, aprende-se de menos.

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