Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 09, 2006

Auto-reflexão e autocrítica



Artigo - Maria Sylvia Carvalho Franco
Folha de S. Paulo
9/11/2006

MARCO AURÉLIO Garcia prescreveu "auto-reflexão" para a imprensa, vezo subscrito por algumas redações. Argüir toda a mídia de inventar a mácula petista é uma contradição em termos. Marco Aurélio converte fatos em quimeras (nunca houve mensalão), mas os "erros" dos camaradas o desdizem. É preciso reavivar esses desvios para que o "agitprop" não logre desvanecê-los. Não há como eludir o caudaloso valerioduto, o contrato milionário assinado por dirigente distraído, o jipe recebido em troca de favores. Dinheiros fluem de fontes obscuras (como o dos aloprados) para fins escusos (como as contas paradisíacas de D. Mendonça) e surgem em cofres recônditos (peças íntimas).
Assessores palacianos evoluem nessa ilícita ciranda. E Visanet, sanguessugas, bingos, Correios, cartões institucionais?
O BNDES financia regiamente a Telemar, que, por sua vez, ajuda o filho do mais alto magistrado no país a passar de tostões a milhões. Ao se expor esse ganho, não se invadiu o círculo familiar do presidente; o fato originário foi que o seu círculo privado invadiu o público. Invencionice? Intimidados pela polícia não foram os autores desses atos, mas aqueles que os deram a conhecer.
O presidente do PT, ao censurar a imprensa, fugiu à lógica. "Auto-reflexão" é uma cômica tautologia comparável à do candidato-presidente, que, anunciando benefícios, prometeu "universalidade geral" à educação, saúde etc. Como erro de apedeuta, admite-se tal vício lógico, mas não como lapso de um professor. A "reflexão", metáfora do pensamento que examina a si mesmo, só pode ser "auto". Aquela gafe trai um ato falho que denuncia arcanos da esquerda ortodoxa, a "autocrítica".
Partidos autoritários, ágeis no domínio das consciências, adestram os filiados a ajustar suas mentes ao mandamento da burocracia partidária, fonte de certezas que vão da moral à ciência (o caso Lyssenko é exemplar). O militante interioriza doutrinas e ordens da direção e, nessas balizas, afere atos e conteúdos de seu espírito: faltando identidade entre convicções próprias e verdades partidárias, ele abjura o pensamento e cola-se à ideologia, por mais que ela contrarie as evidências. O auto-respeito sucumbe ao dogma.
Garcia confunde tarefeiro partidário e imprensa ao exigir, desta, o sacrifício do intelecto. Que ele imponha silêncio obsequioso a jornalistas alinhados ao PT (há muitos), vá lá. Mas estendê-lo à toda a imprensa e, com ela, à opinião pública (que merece informação e juízos independentes) vaticina dias funestos. O prosélito, aliado a velhos gestores da ditadura, não só cala a si próprio mas, por toda parte, usa carga pesada para fechar espaços e silenciar vozes autônomas.

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