Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 11, 2006

André Petry


Coisa de gringos

"Para quem acha que eleição não é lugar
para discutir sexo
ou ciência, convém dar
uma olhada na eleição nos Estados Unidos"

O diabo é que estamos sempre deixando passar o bonde da história. Agora mesmo, o Brasil acaba de encerrar uma eleição em que votaram 100 milhões de eleitores e não se deu mais do que um pio sobre temas como o casamento homossexual, o direito ao aborto ou as pesquisas de células-tronco. Para quem acha que eleição não é lugar para discutir sexo ou ciência, convém dar uma olhada na eleição nos Estados Unidos.

No pleito em que aplicaram uma saborosa derrota ao bushismo, os eleitores de alguns estados também votaram em plebiscitos versando sobre casamento gay, aborto, pesquisa científica – e surgiram resultados sugerindo que o fundamentalismo religioso pode estar começando a sofrer fissuras.

Em oito estados, os eleitores foram convidados a definir se o casamento é uma união apenas entre um homem e uma mulher ou se também pode ser a união entre pessoas do mesmo sexo. A questão é recorrente em plebiscitos regionais no país – mas, desta vez, conseguiu seu primeiro triunfo num estado: os eleitores do Arizona disseram que, para eles, casamento é a união entre duas pessoas, não importa o sexo. Ponto para o Arizona. "É o começo da virada", festejou Matt Foreman, diretor de um grupo de defesa de gays e lésbicas.

Em Dakota do Sul, os eleitores votaram sobre uma lei que restringia o direito ao aborto apenas a casos em que há ameaça à vida da gestante. Não abria exceção nem para os casos de gravidez resultante de estupro ou incesto! Houve campanha de verdade, com comerciais na televisão, com pastores fazendo sermões dominicais, com placas espetadas nos gramados residenciais. E campanha civilizada, na qual os conservadores não recorreram à apelação demagógica de exibir fetos sangrando ao som de guinchos suínos... Os eleitores de Dakota do Sul fizeram o certo: mantiveram a lei atual, que garante o amplo direito ao aborto.

No Missouri, o plebiscito era sobre uma lei favorável à ampliação das pesquisas de células-tronco. Também houve campanha acirrada, virou o assunto principal na disputa entre os que concorriam à cadeira de senador pelo estado. Os defensores da ciência exibiram um comercial de televisão que emocionou o eleitorado. Nele, o ator Michael J. Fox, há quinze anos vítima da doença de Parkinson, defende a ampliação das pesquisas dizendo que a ciência livre pode mexer com a vida de milhões de americanos. "Americanos como eu", diz o ator, enquanto seu corpo oscila para a frente e para os lados como se estivesse navegando num mar turbulento. O Missouri votou a favor das pesquisas de células-tronco. A luz venceu as trevas.

No Brasil, os casais de gays não existem oficialmente e precisam recorrer à Justiça em busca de direitos elementares. As pesquisas de células-tronco embrionárias são limitadas ao estoque atual de óvulos descartados das clínicas de fertilização, enquanto a proibição ao aborto ceifa a dignidade das mulheres – das pobres, é claro. Que, quando enfrentam problemas decorrentes de um aborto malfeito e procuram ajuda num hospital, ainda são denunciadas pelos médicos à polícia, em um instantâneo do nosso tribalismo recôndito.

Mas no Brasil, ao que parece, nada disso precisa ser discutido em uma eleição. Tudo o que temos a fazer é deixar o homem trabalhar... Quanta pobreza!

Esta cena vai se repetir?

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