Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

'Abafa' e intimidação

A possibilidade de evitar que um governo populista sucumba à tentação do autoritarismo está na capacidade de a sociedade reagir, com firmeza, a todas as formas diretas ou disfarçadas de cerceamento à plena liberdade de expressão. O presidente Lula é o primeiro a reconhecer, porque tem sensibilidade para tanto, que toda a sua trajetória na vida pública dependeu, fundamentalmente, da plena liberdade que teve de expressar-se e, poderia acrescentar, da fantástica cobertura que sempre teve da mídia. Graças a Deus seu talento político pôde desabrochar em terra paulista pelo generoso espaço que sempre lhe ofertaram os veículos de comunicação. Mas, infelizmente, não é novidade alguma a liderança carismática, nascida da democracia, voltar-se contra seus próprios fundamentos - em que a liberdade de imprensa é base lapidar - quando o grau de tolerância à critica passa a estar na razão inversa da popularidade governamental.

Depois da retumbante vitória eleitoral parece que certos mentores do PT e do governo Lula não conseguiram deixar de extravasar o que lhes estava preso na garganta, ou seja: a raiva de verem o partido que se pretendia o 'mais ético' do Brasil submergir no mar de lama jorrado do centro de Poder da República - cuja comprovação mais evidente é o fundamentado relatório-denúncia do procurador-geral da República sobre a sofisticada quadrilha enquistada no governo e em seu partido. E, tampouco sendo isso novidade, a responsabilidade por esse revertério moral foi e tem sido, agora com mais intensidade, ultrapassada a inibição do período eleitoral, debitada à atuação da imprensa.

Péssimo seria se o governo Lula viesse a ter como marcas de seu segundo período o 'abafa' das investigações e a intimidação da imprensa, que foram marcas deste seu primeiro mandato. Quinta-feira falávamos aqui dos precedentes que tornaram ominosa a reação do presidente do PT às agressões de militantes do partido a jornalistas. Hoje tratamos do depoimento prestado ao Ministério Público Federal pelo delegado da Polícia Federal (PF) Edmilson Pereira Bruno, responsável pela prisão dos petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha - que portavam o R$ 1,75 milhão em dinheiro vivo, destinado à compra de um dossiê contra candidatos tucanos -, no qual ele reiterou a grande preocupação, de seus superiores, com o modo como o governo conduziria o caso. Disse que o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mostrou-se 'apreensivo' com a eventual menção, nos depoimentos, de qualquer coisa que pudesse sugerir uma ligação entre os presos e o presidente Lula e contou que em 15 de setembro, pouco antes de sair rumo ao Hotel Íbis Congonhas, onde foram feitas as prisões, recebeu do diretor da PF em São Paulo, Severino Alexandre, esta advertência: 'Olha bem o que você vai fazer. Está mexendo com peixe grande. Tudo o que fizer será responsabilidade sua.' Ele deveria agir como 'o macaco que não fala, não vê e não ouve'. Além disso, Bruno conta que Gedimar e Valdebran quiseram - e conseguiram - alterar as declarações que fizeram quando foram presos no hotel.

Também deixou claro, o delegado, que o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, pretendia que houvesse as prisões em flagrante e as fotos da dinheirama apreendida, procedimento semelhante ao que fora feito no famoso caso dos dólares na cueca. Mas o ministro da Justiça não concordava com isso porque estava preocupado com os riscos à campanha reeleitoral do presidente, enquanto o diretor-geral mais pensava em preservar a imagem institucional da Polícia Federal.

O 'abafa' de investigações e intimidação de investigadores são formas interligadas de tentar 'proteger' o governo da opinião divergente, do contraditório, da crítica e, sobretudo, do direito de a sociedade ser informada em relação aos que a governam, quaisquer que sejam os temas, sob exame, de interesse público.

Em outras palavras, o que o delegado da Polícia Federal Edmilson Pereira denuncia em seu depoimento é também uma forma de cerceamento da liberdade de informar. Uma confirmação das ameaças explícitas contidas nas palavras de Marco Aurélio Garcia, concitando os jornalistas à 'auto-reflexão' sobre a divulgação dos escândalos petistas durante a campanha eleitoral, assim como no projeto petista de 'democratização dos meios de comunicação'.

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