Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

CELSO MING Enquadrar ou ser enquadrado

celso.ming@grupoestado.com.br

O PT já não consegue esconder a frontal divergência com o presidente Lula quanto aos objetivos da política econômica.

Terça-feira, o presidente Lula viu-se na obrigação de desautorizar seu ministro de Relações Institucionais, o petista Tarso Genro, que, em seu próprio nome, de pelo menos mais três ministros (Dilma Rousseff, Guido Mantega e Luiz Marinho) e do presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia (foto), decretou o 'fim da era Palocci' e anunciou a substituição das metas de inflação por metas de crescimento econômico.

No dia seguinte, o presidente Lula foi mais longe: pediu o fim do fogo amigo e exigiu silêncio dos seus ministros. Mas Marco Aurélio Garcia avisou que a lei do silêncio não alcança os dirigentes do PT e que defende mudança radical de rumos.

Mas, afinal, o que pretende o PT em matéria de política econômica? O último congresso que definiu a estratégia do partido foi realizado em 2001, em Olinda, quando foi aprovada a 'ruptura' com o que os petistas chamaram de modelo neoliberal. O próximo congresso, do qual se espera redefinição de orientação, deve ser realizado no primeiro semestre de 2007, mas não tem ainda nem data nem local de realização.

Até lá, é preciso ficar com o documento que melhor explicita o que o PT quer da economia. Trata-se das Diretrizes para Elaboração do Programa do Governo, aprovadas no 13º Encontro Nacional, realizado em São Paulo entre 28 e 30 de abril.

Lá está dito com todas as letras que o horizonte estratégico é o 'socialismo petista', embora não se explique o que isso significa 15 anos após a derrubada do Muro de Berlim e a incorporação das duas maiores potências então socialistas (Rússia e China) ao sistema global.

Se não houve o repeteco explícito da ruptura consagrada em Olinda, pelo menos define-se nas Diretrizes que o modelo a ser colocado em marcha deve abandonar os objetivos do 'pensamento hegemônico' adotados no primeiro mandato Lula. Seu lugar deve ser ocupado por novo padrão de desenvolvimento nacional.

O PT não é suficientemente claro sobre o que, na prática, isso significa. Mas algumas de suas sugestões dão boas pistas.

Os dirigentes do PT não gostam dos três pilares da atual política econômica: superávit primário (de 4,25% do PIB) para controle da dívida pública, plano de metas de inflação e câmbio flutuante.

Os compromissos com o superávit, diz o documento no seu parágrafo 23, tiram recursos do investimento e dos programas sociais. O sistema de metas de inflação, tal como colocado em prática, sacrifica o crescimento econômico. Por isso, tem de se adequar aos imperativos do desenvolvimento (parágrafo 29).

O ministro Tarso Genro parece ter deixado isso mais claro quando reivindicou a adoção de metas de crescimento às quais as metas de inflação devessem se subordinar. E o câmbio flutuante, isso ficou implícito, está ameaçando a sobrevivência da empresa nacional.

As Diretrizes exigem que o Banco Central, além de defender a moeda, assuma a função de promotor do crescimento econômico. Tarso Genro sustenta que o Banco Central volte a ser subordinado ao ministro da Fazenda, para que cumpra determinações políticas.

Em nenhum lugar no mundo está sendo colocado em prática um conjunto de diretrizes econômicas como este. Não é verdade, por exemplo, que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) administra a política de juros subordinando-a à criação de empregos. Embora a lei preveja que o Fed olhe para os dois objetivos, na prática a única meta perseguida é o controle da inflação.

Se fosse implantado no Brasil, esse conjunto de diretrizes exigiria alta dose de criatividade e adoção de cosas raras, como dizem os espanhóis.

Não há conciliação possível entre a política econômica do presidente Lula adotada até aqui e esse modelo. Se não estiver convencido da falácia desses pontos de vista, o presidente Lula ao menos sabe que não pode incorrer no erro de ver seu governo tumultuado pelas convulsões do mercado financeiro que, de resto, dispensa as doses de tranqüilizante que o presidente interino do PT lhe prescreve. Contenta-se com um mínimo de racionalidade na condução da política econômica.

Parece mais fácil o PT romper com o governo Lula do que o governo Lula aceitar esse jogo. É mais provável que o PT seja enquadrado.

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