Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 11, 2005

Vice se diz fiel a Lula, mas pronto para assumir

folha de s paulo

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

Apesar de declarar que é fiel ao presidente Lula, contra o impeachment dele e que não moverá "uma palha" para prejudicá-lo, o vice-presidente da República, José Alencar, não deixa dúvidas: ele se diz pronto para assumir a Presidência na hipótese de afastamento de Lula e, nesse caso, mudar a política econômica -especificamente, baixar os juros.
"Se acontecer [o impeachment], independentemente da minha vontade, eu não abro mão do cumprimento do meu dever e não abro mão também dos meus direitos", disse Alencar à Folha, na última quinta-feira. "E mudo a política monetária", acrescentou.
Então, ele está pronto para assumir a Presidência? Resposta rápida: "Claro, absolutamente", disse, ironizando a visão de que é considerado um risco, por ser um defensor radical da queda dos juros. Nesse caso, diz considerar-se um "risco santo".
Alencar se diz contrariado com a política e com o fato de não ser ouvido dentro do governo quando o assunto é economia. "Vice não manda nada, nunca me ouviram (...) Nem o presidente".
O vice-presidente endossou a tese de que o presidente não soubesse de nenhum dos escândalos no qual o partido e o governo estão envolvidos. "É só conhecer a agenda do presidente, não só interna como externamente, porque viaja muito, para saber que ele não teria espaço para estar cuidando da administração partidária", disse ele.
Para Alencar, Lula foi "vítima" do PT, que ele considera "despreparado" para assumir o governo. O vice-presidente poupou, porém, o ex-ministro José Dirceu. "Pelo que a gente sabe, ele não está envolvido", afirmou.
Sem partido desde que deixou o PL, Alencar disse não estar pensando em se filiar a nenhum partido e que para ele é "indiferente" ter condições ou não de concorrer nas próximas eleições.
Aos 73 anos, mas com a saúde "boa como nunca" depois de uma angioplastia,ele falou à Folha na quinta-feira passada.

Folha - O sr. sonha em chegar à Presidência da República?
José Alencar -
Seria desonesto de minha parte dizer que não. Todo homem público tem o ideal de chegar à Presidência. Mas eu gostaria de fazer isso desde que disputasse [uma eleição] e não mexeria uma palha para prejudicar o presidente Lula. Sou vice-presidente da República graças à eleição dele, portanto a minha posição é de apoio a ele, de lealdade a ele, para que ele recupere o seu prestígio nacional e conclua o seu governo.

Folha - Há muita pressão, ou pelo menos muita conversa, para que o sr. apóie o impeachment ou a renúncia?
Alencar -
Sim, é claro que há. Eu, como vice, obviamente sou alvo dessas perguntas. Muitas pessoas pensam que eu estou ansioso para que haja um impeachment do Lula. Sinceramente, não há isso. O que não significa que eu não queira ser presidente. Gostaria de sê-lo, com legitimidade, não assim. É claro que é legítima a substituição do presidente pelo vice, mas não mexerei uma palha para prejudicar o Lula.

Folha - E se acontecer?
Alencar -
Se acontecer, independentemente da minha vontade, eu não abro mão do cumprimento do meu dever e não abro mão também dos meus direitos.

Folha - O sr. está pronto para assumir a Presidência?
Alencar -
Claro, completamente.

Folha - O sr. acha que, a partir de todas essas denúncias sobre o esquema Marcos Valério, há indícios suficientes para abrir um processo de impeachment?
Alencar -
Eu não sou especialista nisso. O que eu sei é que as CPIs, o Conselho de Ética, a Polícia Federal, todos estão investigando de forma rigorosa e cabal. Não posso fazer um prejulgamento, dizer que o que está aí já seja suficiente para justificar o impeachment do presidente.

Folha - Se chegar alguma prova ao presidente, o sr. é favorável ao impeachment?
Alencar -
Não, veja bem, eu não preciso ser a favor nem contra. A rigor, sou contra o impeachment do Lula. Se for inevitável, é outra coisa, isso não é pelo fato de eu ser a favor ou contra.

Folha - Pelo que o sr. conversa com ele, o sr. acha que ele sabia de tudo o que acontecia?
Alencar -
Eu penso que o Lula é vítima disso.

Folha - Vítima desse processo?
Alencar -
Eu acho que é ele é vítima de todo esse despreparo da administração do seu partido. É só conhecer a agenda do presidente, não só interna como externamente, porque viaja muito, para saber que ele não teria espaço para estar cuidando da administração partidária.

Folha - Na sua opinião, a coisa está restrita ao PT, à campanha, ao caixa dois? E o envolvimento do governo?
Alencar -
Não tem. E pelo que eu conheço e que está posto aí pelas investigações das CPIs, o contato direto do Marcos Valério era o dr. Delúbio, professor Delúbio, não era outra pessoa.

Folha - O que o sr. quis dizer com "despreparo do PT"?
Alencar -
Realmente foi um despropósito tudo isso que aconteceu. Se uma empresa deseja contribuir para uma campanha eleitoral, essa contribuição deve ser rigorosamente correta, de acordo com a lei, mesmo porque não há proibição legal para que uma empresa participe de uma campanha eleitoral, não há razão para se fazer esta doação fora da lei, sem registro. Nem de parte da empresa nem de parte do partido. Então isso é um despreparo brutal, para não dizer uma irresponsabilidade de quem doou e de quem recebeu.

Folha - O sr. não acredita na versão dos empréstimos, então?
Alencar -
Eu não quero entrar nesses detalhes, mas, pela experiência que eu tenho na área, eu não tenho dúvida de que esses empréstimos têm que ser vistos com desconfiança. Não sei como é que seriam, qual a razão desses empréstimos, como foram feitos, de onde veio esse dinheiro.

Folha - O sr. vinha dizendo que, pela experiência do sr...
Alencar -
Pela minha experiência, é muito difícil que um banco faça empréstimos assim, sem garantia absoluta, é muito difícil.

Folha - O sr.conhecia Marcos Valério?
Alencar -
Essa pergunta já me foi feita. Eu até fiz um esforço para ver se algum dia eu fui, pelo menos, apresentado a ele. Pode ser que que tenha sido, mas não me lembro.

Folha - O sr. nunca ouviu falar que ele era assim...
Alencar -
Não, não. Mesmo por que eu não tenho nenhuma militância nessa área, minhas coisas são rigorosamente todas por dentro, por dentro da lei. Eu ouvi grandes homens públicos de Minas dizerem no passado: "Fora da lei não há salvação".

Folha - E o papel do ministro José Dirceu, que recebia todas essas pessoas em seu gabinete no Planalto e acabou caindo?
Alencar -
Pelo que a gente sabe, ele não está envolvido.

Folha - O sr. acredita que ele não esteja? O Roberto Jefferson denunciou e a CPI suspeita que ele era o chefe do esquema.
Alencar -
Sim, mas isso aí é o seguinte: é uma alegação. Está escrito, me parece no Código de Processo Civil, que o ônus da prova é de quem alega, e não me cabe fazer julgamento de quem quer que seja, muito menos "a priori". O julgamento é eminentemente político, não é julgamento, vamos dizer, do Judiciário. Então os critérios são políticos.

Folha - O sr. arriscaria um palpite de quantos deputados serão cassados?
Alencar -
Vai depender. Não posso pedir pena branda nem rigorosa, mas torço por uma pena justa. Cada caso é um caso. Todo mundo sabe que há diferença e saberão muito mais os que estão mais próximos do caso, tanto na CPI como no Conselho de Ética.

Folha - Há uso evidentemente político dessa crise por parte da oposição, do PSDB e do PFL principalmente?
Alencar -
Se estiver havendo, isto não é novidade, considerando tratar-se de um critério eminentemente político. O grande problema disso é que acabou afetando, queiramos ou não, todo o campo político e todos nós que militamos na política. Essa foi uma das grandes razões pelas quais eu me desfiliei. A contrariedade, o desconforto com que eu fiquei é justamente porque nós todos fomos atingidos, nunca podíamos imaginar que houvesse tanta coisa, é um absurdo.

Folha - O sr. está contrariado com a política em geral ou com o PL em particular?
Alencar -
Eu estava muito contrariado com tudo. Não é apenas com o partido, não, é com o quadro. Tanto que eu não me filiei nem estou preocupado em filiação. Para mim é absolutamente indiferente ter condições ou não de disputar uma eleição no ano que vem.

Folha - Existe essa hipótese, de o sr. não concorrer?
Alencar -
Essa hipótese era a única que existia no momento em que eu tomei a decisão de me afastar [do partido]. Estava sentindo desconforto total.

Folha - Qual o grau de responsabilidade do Lula e do PT nesse descrédito na política?
Alencar -
Eu acho que a maior vítima nacional desse quadro que está aí é o Lula.

Folha - E o PT é o maior artífice?
Alencar -
O PT é responsável por isso. Grande parte do PT é grandemente responsável por essa quadro que está aí, e não só o PT. Isso afetou vários partidos.

Folha - O seu PL...
Alencar -
Foi afetado, claro. Não só o PL, outros partidos também foram afetados, todo mundo sabe disso.

Folha - Em tese, quais são as opções partidárias que o sr. tem?
Alencar -
Muitos partidos já me procuraram e têm me procurado. Por enquanto, o que posso dizer é que não estou pensando em filiação, isso não passou pela minha cabeça.

Folha - O sr. tem disposição para disputar a Presidência em 2006?
Alencar -
Nesse mundo, ninguém sabe o que vai acontecer daqui para a frente. Tudo muda, mas a política muda mais ainda. Tudo pode acontecer.

Folha - E a saúde, como está?
Alencar -
Boa como nunca. Fiz uma angioplastia com aplicação de um "stent" [mola que impede a obstrução das artérias], e eles me disseram que estou zerado.

Folha - Falando em zerado, o sr. sabe para onde foram os R$ 10 milhões que o PT deu para o PL por meio do Marcos Valério?
Alencar -
Como? Do PT? Essa pergunta tem que ser feita ao partido, não a mim. Isso não passou nem a mil quilômetros da minha casa. Quem me conhece sabe que não existem essas coisas na minha vida.

Folha - O PL está sob suspeita, perdeu a Vice-Presidência da República, seu presidente renunciou ao mandato de deputado federal. Que futuro o sr. vê para o PL?
Alencar -
Eu me retirei porque me sentia desconfortável com o quadro criado. Essa crise política é brutal, afetou a todos nós que estamos na vida pública. Para ser exato, quando eu me desfiliei, não foi com o sentimento de optar por outro partido, mas de sair da vida pública mesmo. Mas tenho muitos amigos de vários partidos que falam que não posso fazer isso, que tenho que pensar neles também. Então, estou dividido.

Folha - O "risco Alencar" existe?
Alencar -
Ironia do destino. Todo mundo fala que o Lula fez aliança comigo porque eu representava segurança e não risco, justamente para isso que se chama mercado. Hoje, dizem que eu sou o risco. Isso não é estranho?

Folha - O sr. é ou não um risco?
Alencar -
Devo ser, uai! Não dizem que a voz do povo é a voz de Deus? Eu me orgulho muito de ser um risco pelo que me atribuem, porque esse é um risco santo. Não há ninguém que pugne mais pelo desenvolvimento do meu país do que eu. Eu não me conformo com a estagnação, senão eu continuaria como bom vendedor, bom comerciante, na melhor hipótese. Você não pode aceitar de maneira nenhuma que um país como o Brasil arque com uma taxa de juros dez vezes superior à média internacional. É um despropósito, um desperdício. Cada um dos 180 milhões de brasileiros está pagando essa conta. Ela está errada.

Folha - Na eventualidade de ter de assumir a Presidência, o sr. mudaria a política econômica?
Alencar -
Mudo essa política monetária, assessorado pelos economistas mais brilhantes e mais experientes do meu país. Imediatamente, os convidaria.

Folha - O Paulo Nogueira Batista, por exemplo?
Alencar -
Ele é um deles. E aviso que sou um risco, sim, porque não vou permitir que um cidadão contrate uma obra nem por duas vezes o seu preço no mercado. E é a mesma coisa. Nós temos que denunciar isso.

Folha - Mas é o próprio governo que faz.
Alencar -
Porque o vice não manda nada. Vice pede com empenho, com dedicação e com responsabilidade, e eu tenho pedido todo o tempo do nosso governo. Nunca me ouviram.

Folha - Quem?
Alencar -
Nem o próprio presidente. Ele está consciente de que essa política está correta, e é claro que discordo dele. Não posso concordar com uma coisa dessas, que é jogar dinheiro pela janela.

Folha - O sr. tem boas relações na área empresarial, na mídia, no Congresso e, agora, na área militar. Se assumir e imediatamente baixar os juros, há quem veja o "risco" de o sr. virar um candidato imbatível em 2006.
Alencar -
Esse é mais um motivo para que ninguém me queira. Mas, voltando, eu sugeri para o presidente que reunisse economistas de um lado e de outro, durante o tempo necessário, até fazer um juízo. Tem alguma coisa de errado nisso?

Folha - O que ele respondeu?
Alencar -
Não me lembro. Provavelmente, nem respondeu.

Folha - O sr. foi a única pessoa do governo que manteve o discurso feito pelo PT na campanha?
Alencar -
O nosso discurso de campanha não assumiu o poder. Nós seguimos a política econômica que estava aí e que éramos contra, porque o país quase quebrou naqueles anos do Gustavo Franco no Banco Central. Só não quebrou porque Deus é brasileiro.

Folha - O presidente acha que o desempenho da economia será suficiente para reelegê-lo, mas a popularidade vem caindo. Quais são as chances de reeleição dele?
Alencar -
As chances dele são muito grandes. A popularidade está caindo, mas, mesmo assim, é muito alta. Essas quedas são naturais em momentos mais difíceis, mas ele poderá sair vitorioso de tudo isso. Acredito, sinceramente. E não só acredito, como torço, porque o Lula é um homem de bem. Essas coisas todas não alcançam a autoridade moral do Lula perante a Nação. O Lula é correto. O Lula e a família. Dona Marisa é uma mãe de família exemplar. Estarei leal a eles até o fim.

Folha - O sr. também é ministro da Defesa. Como os militares acompanham tudo isso?
Alencar -
Não temos conversado sobre esses assuntos, mas, como brasileiros, eles estão tão preocupados como qualquer pessoa de bem. Eles são homens de elevado interesse nacional e é claro que tudo isso preocupa.

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