Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 17, 2005

Tales Alvarenga Gabeira e os outros

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"Para justificar antigas crenças demolidas
pelos fatos, muitos integrantes da esquerda
se tornam intelectualmente desonestos.
Mentem para se agarrar a teses
já desmoralizadas"

Se me consultassem, eu indicaria o deputado Fernando Gabeira, do Partido Verde do Rio, para presidente da Câmara, no lugar de Severino Cavalcanti. Gabeira é inteligente, é um esquerdista darwiniano (evolui) e parece tão honesto como água de bica. Para mim, Gabeira representa o que de melhor a esquerda produziu no Brasil. Precisou dar uma volta imensa antes de se tornar o ideólogo equilibrado e flexível que conhecemos hoje.

Seqüestrou o embaixador dos Estados Unidos em 1969, converteu-se à "política do corpo" nos anos 70, desfilando seminu nas areias de Ipanema, defendeu a liberalização do uso da maconha, transferiu-se para o ambientalismo através do Partido Verde. Tudo isso para, finalmente, descobrir ao fim da linha o que eu já sabia sobre a esquerda nos anos 60. Não importa que tenha demorado. Adquiriu experiência e densidade. Neste momento, participa da ação de um grupo de deputados para livrar a Câmara de Severino Cavalcanti. Gabeira conquistou uma autoridade moral talvez sem par no Congresso hoje em dia.

Raramente um militante da esquerda tem uma máquina cerebral suficientemente forte para libertá-lo dos mitos que absorveu na juventude. Para justificar antigas crenças demolidas pelos fatos, alguns integrantes da esquerda se tornam intelectualmente desonestos. Mentem para se agarrar a teses já desmoralizadas.

A filósofa Marilena Chauí, a musa cerebrina do PT, afirmou em cerimônia do partido na semana passada que o PT é odiado por puro despeito dos seus adversários. "Nós fomos o principal construtor da democracia neste país e não seremos perdoados por isso nunca." E eu, pobre de mim, que estava pensando no PT como o principal construtor da roubalheira "neste país". Chauí é uma filósofa que se recusa a enxergar o óbvio.

Entre os intelectualmente desonestos, José Dirceu é o patrono. "O objetivo das forças que me atacam", afirmou ele, "é interromper o processo de organização dos trabalhadores e de consolidação de uma alternativa popular para o país." E eu, pobre de mim, que pensava em Dirceu como o chefe da quadrilha petista, conforme o definiu Roberto Jefferson.

Já Gabeira é um homem de esquerda com raciocínio próprio. Veja alguns exemplos numa recente entrevista à Folha de S.Paulo:

"A idéia da luta armada pressupõe a construção de um exército popular. Constituído o exército libertador, você fica sem saber depois quem vai te libertar do exército."

"No Brasil, o Muro de Berlim está caindo com atraso."

"A ausência de um mito messiânico da classe operária permite concluir que não temos salvadores, o que é um avanço. A decadência moral em que parte da esquerda se meteu mostra que ela não é o bem absoluto. Fica demonstrado também que a direita não é o mal absoluto. Abre-se espaço para novas conformações políticas."

"Temos de acabar com o elogio da ignorância." (sobre Lula)

Gabeira merece a presidência da Câmara porque é o que me parece mais sólido entre os colegas, mesmo que não agregue apoios que resolvem eleições. É meu esquerdista predileto porque brilha pelo contraste com os companheiros de viagem, avestruzes que enfiam a cabeça na areia para não enxergar a realidade.

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