Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 16, 2005

MIRIAM LEITÃO Problema real

O GLOBO

A pergunta fundamental sobre os juros brasileiros continuará sendo feita nos próximos meses e anos no país: por que as taxas são tão altas? Desmontar a armadilha dos juros excessivos é inevitável para a construção do futuro da mesma forma que foi inevitável desarmar a armadilha da superinflação. O Brasil será normal quando uma reunião do Copom não ocupar tanto espaço no noticiário.
O Copom esta semana fez o que se esperava que fizesse. Mas a queda de metade de meio ponto percentual tirou apenas uma lasquinha na montanha dos juros brasileiros. Permanecem exóticos. Todo mês, o noticiário é ocupado pela discussão conjuntural da taxa. Mas a questão é: por que eles são estruturalmente tão altos? A pergunta está presente em textos, artigos e debates. Há várias boas respostas, mas elas não são suficientes.


Quem vê o assunto ideologicamente e acha que é tudo uma conspiração entre Banco Central e bancos ou culpa da política neoliberal tem mais sorte. Sendo isso, fica mais simples lutar contra eles. A questão, na verdade, desdobra-se em vários problemas. Não é só que os juros nominais em 19,5% são os maiores do mundo, mas é que os juros ao consumidor podem chegar a 140% ao ano, na era dos juros baixos, ou até negativos, no mundo.

Há explicações técnicas que são de uma mesmice enfadonha: seriam altos porque o Brasil deu um calote no passado. Outros países deram calotes mais recentemente e têm taxas de juros menores. Essa memória de elefante do credor não parece ser suficiente.

A explicação recente mais abrangente foi dada pelos economistas Edmar Bacha, André Lara Resende e Pérsio Arida. É a tese da Incerteza Jurisdicional, que tem hoje vários adeptos. Essa incerteza, produzida por lentidão da Justiça e certas decisões aleatórias, rompimentos de contratos, mudanças discricionárias e um Legislativo imprevisível, tem, pelo menos, uma prova concreta. O maior devedor brasileiro, o governo, toma emprestado fora do país a taxas menores do que paga aqui dentro. O mesmo credor aceita receber menos em títulos soberanos lançados lá fora do que em papéis da dívida pública no Brasil.

Há uma longa lista do que fazer na estrutura do gasto público brasileiro para que o credor possa confiar mais no devedor governo. Há sete anos, o país tem superávit primário; mas não é ainda suficiente. Quem olha para frente vê que os investimentos foram contidos, a carga tributária elevada, gastos correntes reprimidos. Foi feito um ajuste de má qualidade, portanto, insustentável.

Só que o Brasil não há de ser o único país do mundo que tem problemas de justiça lenta, ajuste fiscal deficiente e outras incertezas. O professor Francisco Lopes, em seminário da FGV feito esta semana, organizado pelo ex-ministro Bresser Pereira, tratou, entre outros, da diferença de taxa entre o Brasil e países que estão longe de ser perfeitos. "Quando se olha a tabela de indicadores de economias emergentes publicados rotineiramente pela revista 'The Economist' fica evidente que a taxa de juros brasileira encontra-se em nível surpreendentemente elevado. Nossa taxa overnight superior a 19%, que com uma inflação em 12 meses do IPCA da ordem de 7% equivale a uma taxa real superior a 11%, é recorde mundial inconteste. O emergente que mais se aproxima é a Turquia, com taxa nominal de 16,5% e real de 7%. As taxas nominais elevadas da Venezuela (12%) e da Rússia (13%), na realidade, correspondem a taxas reais negativas. O México pratica taxa nominal de 9,6% mas que equivale a apenas 5% real."

Pode-se até argumentar que, por causa disso, a Argentina terá inflação de dois dígitos este ano, que a Venezuela é um país atípico, mas o fato é que no Brasil as taxas são maiores que em todos os emergentes.

Chico Lopes identifica em certas opções da política monetária algumas das razões de manutenção das taxas de juros muito acima do que se deveria e acha que também são, em parte, efeito residual de choques inflacionários passados.

O economista Gustavo Loyola falou esta semana das distorções que existem no sistema bancário brasileiro; em parte, pelo gigantismo ainda hoje do setor público, que absorve 40% desse mercado, mesmo após a venda e fechamento dos bancos estaduais.

Eduardo Giannetti da Fonseca deu, no mesmo seminário, um exemplo dessa distorção:

— O BNDES recebe recursos de fundos compulsórios, aos quais paga 6% ao ano. Com eles, empresta a alguns poucos escolhidos a taxas de 9,7% e esse mesmo governo toma emprestado a quase 20%. Isso não faz sentido!

Nenhum credor do mundo aceitaria pagar dez pontos percentuais a mais de taxas de juros nos empréstimos que toma do que o que cobra do seu tomador. É contra a natureza das coisas. Com isso, lembra Giannetti, o Estado fica com o monopólio do financiamento a longo prazo.

Cada um desses pontos é apenas um detalhe de textos mais amplos que vêm discutindo o assunto. E isso, sem falar nas falhas do mercado bancário privado, que produz as monstruosas taxas cobradas das empresas e dos consumidores nas operações de crédito. Os bancos culpam os compulsórios e os impostos pelos juros que cobram. Mas, descontando tudo, os spreads são gigantescos.

Os juros vão cair nos próximos meses e continuarão altíssimos. É preciso reencontrar o caminho dos juros estruturalmente mais baixos para o Brasil ser um país normal.

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