o globo
Quem comprou título brasileiro em real está acreditando que a moeda brasileira não vai se desvalorizar fortemente no futuro próximo, apesar de haver uma incerta eleição no ano que vem; confia na capacidade de o Brasil pagar os juros da dívida, apesar de o país carregar uma dívida interna que custa 19,5% ao ano. Mas cobra três pontos percentuais mais caro do Brasil do que cobrou do México numa operação em pesos mexicanos.
O economista Ilan Goldfajn acha que a operação foi um grande negócio para o Brasil e que essa é a fronteira a ser atacada para diminuir o risco cambial brasileiro:
— Isso significa que, em relação a esses papéis, o risco de desvalorização do real é do comprador e não do país, como sempre foi.
Até pouco, país emergente não conseguia vender papéis na sua própria moeda e esse fato era chamado pelos economistas como o "pecado original". Toda vez que havia alguma turbulência, a conjuntura interna entrava numa bola de neve: por causa da crise, a moeda se desvalorizava e aí a dívida crescia pela desvalorização, o que aumentava a crise.
Ainda continua assim, porque esta é a primeira operação feita pelo Tesouro brasileiro em reais, mas o que Ilan está dizendo é que o Brasil, nesta venda de títulos em reais, quebrou a armadilha do pecado original.
Mas apostar que a moeda brasileira não vai se desvalorizar no ano que vem não é muito arriscado? O excesso de liquidez no mercado internacional tem a capacidade de diluir a noção de risco; os altos juros pagos pelo país, também. No papel, o Brasil pagou 12% e o México, que fez a mesma operação, pagou 9%. A diferença é que os juros de curto prazo no México são de mais ou menos 9% e os do Brasil são de 19,5%. O que isso significa?
— Significa que os juros aqui estão muito altos, e o mercado acredita que, num prazo razoável, eles vão cair bastante no Brasil.
O país está num dos seus melhores momentos econômicos e, mesmo assim, a dívida/PIB parou de cair, o volume nominal da dívida cresceu em R$ 110 bilhões em oito meses. O Brasil está no meio de uma complexa crise política e indo para uma eleição de grande incerteza.
— Acho que este é o grande risco que o Brasil corre — diz Ilan, referindo-se à volta de propostas econômicas que levantem velhos fantasmas.
No PT quem, mais ou menos, defendia a política atual era o Campo Majoritário. Foi também o fiador da política de alianças. A esquerda do partido é contra a política de alianças e contra a política econômica. Na eleição de 2002, o Campo, fortalecido, rasgou as diretrizes aprovadas pelo partido em Olinda e fez um programa econômico detestado pelas correntes à esquerda do PT. Agora, seja qual for o resultado das eleições internas, essas correntes estão mais fortes. Poderá o candidato Lula, em 2006, defender a manutenção dessa política econômica contra a vontade de grande parte da sua combalida legenda?
O PT, pela nota divulgada ontem, pediu queda rápida dos juros. Está mesmo na hora de uma queda mais forte. A inflação despencou, as condições técnicas estão dadas. Mas essa diminuição da taxa só dá certo se for feita por razões e mãos técnicas, e não por contingência político-eleitoral. Do contrário, aumenta a desconfiança no governo, o que levaria os juros novamente para cima.
Na mesma nota, o PT culpa as CPIs de estarem nas mãos da oposição e diz que há uma "conspiração midiática". Em resumo: o inferno são os outros. Tudo é culpa da oposição e da imprensa; o PT não montou um sistema de caixa dois irrigado por fornecedores do governo com dinheiro de origem desconhecida, não repassou dinheiro para outros partidos da base sem comunicar à Justiça Eleitoral, não operou com cambistas para trazer de fora dinheiro para as campanhas. Tudo conspiração midiática! A versão conspiratória é levantada propositadamente porque é a única que mantém a militância fiel ao partido.
Mesmo mergulhado numa crise, o PT não consegue se unir em torno de um nome petista para a Câmara dos Deputados que pudesse estar acima até dos interesses partidários para iniciar o resgate da instituição.
A eleição de 2006 tem alto grau de incerteza. O que parecia já ter sido superado, como a escolha de determinados caminhos, como metas de inflação, responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e respeito aos contratos, voltará ao debate.
O economista Guido Mantega, presidente do BNDES, acha que isso é um falso problema, porque a adoção de uma política que levou a fundamentos sólidos, na opinião dele, não será revista, seja qual for o resultado da eleição interna no PT:
— O que o presidente Lula fez a esquerda fez no mundo inteiro. Buscou fundamentos econômicos sólidos e se diferenciou em outros programas. Só vence o candidato que apresentar uma proposta responsável para o Brasil porque o eleitorado tende ao centro. O eleitor não vota numa proposta irresponsável e populista. E o investidor sabe isso, tanto que está confiante e o risco está baixando — afirma.
Guido acredita que há uma percepção errada, em certos grupos do PT, de que há uma continuidade. Ele diz que o governo Lula fez uma revolução no crédito, incluiu nove milhões de pessoas no sistema bancário, e fez outra diferença ao expandir o Bolsa Família. O que ele admite, sim, é que é preciso baixar a taxa de juros.
Entrevista:O Estado inteligente
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