Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 14, 2005

MIRIAM LEITÃO Abrir ou não abrir?

o globo

A idéia de aprofundar a abertura comercial brasileira apareceu nos jornais e virou logo polêmica. O ministro da Fazenda pede ousadia; o do Desenvolvimento quer calma. Tema polêmico este. O debate que era interno continua agora mais aberto. O Brasil tem que preparar sua posição para as negociações da OMC. A posição do Ministério do Desenvolvimento equivale a cortar vento.
Existe uma tarifa consolidada na OMC e a Tarifa Externa Comum, praticada. A primeira é sempre maior que a segunda, mas a segunda é que é efetiva. O Desenvolvimento quer aproximar as duas, mas isso não reduz a proteção da indústria brasileira. Seja qual for a decisão tomada nesta discussão, o fato é: o Brasil ainda é muito fechado. Há países mais fechados, mas há outros muito mais abertos, qualquer que seja a medida. Seja o grau de tarifa consolidada na OMC, o nível de tarifa efetiva ou a participação do volume de comércio no PIB. Os empresários têm alguns bons argumentos; outros são velhas desculpas protecionistas.


Dizem, com razão, que o Brasil tem hoje problemas que reduzem a competitividade e que não dependem deles resolver. Exemplos: o custo de capital é altíssimo, a infra-estrutura é indigente, a logística é deplorável, a carga tributária é alta. Contudo, não se pode esperar o Brasil perfeito para abrir a economia. Se fosse assim, estaríamos ainda esperando a melhor hora para a primeira onda de abertura, que ocorreu em 90 e foi decretada quando ainda havia outro fator de desvantagem: a inflação galopante.

Aquela abertura foi fundamental para criar o boom exportador que se vive hoje no país. Houve uma choradeira inacreditável na época, mas o empresário brasileiro mostrou uma surpreendente capacidade de mudança diante do desafio. Mudou práticas gerenciais, métodos de produzir, adotou novas tendências corporativas, investiu em pessoal, modernizou processos. Hoje colhe os frutos.

Apesar de ter havido mudanças radicais com o fim da lista de proibição de importação e uma formidável rebaixa tarifária, o Brasil ainda tem muitas barreiras ao produto importado.

O economista Honório Kume, do Ipea, especialista em comércio exterior, conta detalhes das barreiras remanescentes:

— Atualmente, na tarifa externa comum, que vale para todo o Mercosul, a maior tarifa é de automóveis, caminhões, ônibus e tratores rodoviários, com alíquota de 35%. Há exceções para sorbitol (açúcar químico), leite e calçados.

Porém há mais barreiras do que parece. Computadores estão sob a Lei de Informática e, ainda que a tarifa seja menor, a proteção é maior, segundo Honório porque, como existe a isenção de IPI de 15% ao produto local, há uma barreira efetiva de 38%. Eletrônicos produzidos na Zona Franca de Manaus são protegidos por tarifa de 20% e IPI de 20%, o que dá, na conta do economista, uma proteção efetiva de 44%, sem falar em outro incentivo fiscal para o que é feito lá que é uma diminuição de dois terços do ICMS. É bom lembrar que o que é produzido na Zona Franca é, em grande parte, apenas a montagem de produtos importados. Brinquedos ficaram oito anos com tarifas especiais que chegaram a 70%, mas agora elas estão caindo.

A idéia da proteção é para permitir mais produção local. Nossa história está repleta de demonstrações de que não é isso que acontece:

— A restrição às importações sempre favorece os produtores em detrimento dos consumidores. Exemplo: pagamos mais pelos computadores no Brasil. Na literatura econômica, há poucos argumentos a favor da proteção. No entanto, todos os países aplicaram essas medidas pelo menos em algum momento do tempo.

No caso dos computadores, a tarifa alta viabiliza a produção local, mas é um enorme incentivo ao contrabando, explica ele.

Outro especialista, Joseph Tutundjian, elogia o avanço já alcançado no país:

— O Brasil tem se integrado mais e aumentado bastante suas importações. Da China, por exemplo, importamos 50% a mais. Importar mais significa aumentar a compra de itens para serem transformados e, depois, vendidos mais caros. Um país que importa pouco é um país que exporta pouco; é ótimo quando as nossas importações crescem, como agora.

O Brasil tem barreiras invisíveis. Um emaranhado de regras, proibições, especificações técnicas para produtos que fecha vários nichos de mercado ao produto importado. Os produtos brasileiros enfrentam lá fora certas barreiras completamente sem sentido, como acontece com o suco de laranja. O mercado mundial de produtos agrícolas sempre foi o mais fechado e é justamente no qual temos uma competitividade extraordinária. É natural que alguns trunfos sejam guardados para a mesa de negociação, mas uma coisa é preciso reconhecer: o Brasil é ainda um país fechado. O total do comércio era 14% do PIB; hoje é 27%, mas o México é 59%, a China, 72%.

A decisão de abrir mais não é para atender às pressões externas, mas, sim, à lógica interna. O setor de informática tem tido proteção desde os anos 70. Mesmo depois que a reserva de mercado acabou, continuou havendo lei de informática. E isso fez de nós um pujante produtor e exportador de bens de informática? Outros países conseguiram resultados melhores com outras estratégias. O protecionismo sempre foi a arma do atraso, e a conta dele sempre foi paga pelos consumidores.


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