Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 11, 2005

Gaudêncio Torquato Lula, a política e a economia

o estado de s paulo

Se o presidente Luiz Inácio acha que vai ser reeleito apenas usando o gogó, pode pensar em se juntar à turma do Grito dos Excluídos que saiu às ruas, na semana passada, para bradar contra a corrupção. Caso pense, também, que o bom desempenho da economia será passaporte para atravessar, incólume, o oceano da crise, é oportuno conhecer pesquisas que apontam a pequena influência da alavanca econômica no pleito eleitoral. O conhecido jargão "é a economia, estúpido", criado por James Carville para balizar a campanha de Bill Clinton, nos EUA, em 1992, não vinga na nossa seara. Eis a razão: o piloto automático que dirige a economia brasileira não foi invenção de Lula e a política, aqui, respira um ar tão contaminado que o oxigênio econômico se torna incapaz de depurá-lo.

A vertente macroeconômica estabelecida e ajustada ao correr dos anos do Plano Real é a verdadeira matriz da estabilidade que o País exibe hoje. Assim, os louros não podem ser atribuídos exclusivamente ao mandatário do PT. Se há mérito, deve-se à continuidade da política econômica. Dito isto, emerge a diferença: Lula canalizou o maior repertório de esperanças da Nação, em todos os tempos. Hoje, vê-se às voltas com uma das maiores crises de nossa História.

Quem insiste em engatar a reeleição de Lula no carro do crescimento econômico ignora contextos e leituras que se projetarão sobre a forma de pensar da sociedade no ano eleitoral. Importa lembrar, primeiramente, que a projeção do crescimento econômico, de 2,8% para 3,5% do PIB, este ano, e de 3,5% para 4%, em 2006, feita pelo Ipea, não constitui avanço extraordinário, comparado, por exemplo, ao do Chile, que registrou crescimento de 7%, no ano passado, ou ao de países emergentes da Ásia, China à frente, cujas taxas variam de 4% a 9%. Até a vizinha Argentina, até há pouco destroçada e desacreditada, caminha para ter um risco país mais baixo que o brasileiro. Em segundo lugar, o avanço da economia, basicamente ancorado na expansão das exportações e dos investimentos, não tem contribuído para melhorar a qualidade de vida do País. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) está congelado e a renda até caiu 0,91%, em 2003, de acordo com dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Ademais, o presidente Lula, intérprete maior do avanço social, ao privilegiar a visão macroeconômica do antecessor, fragmentou sua identidade histórica, abrindo o flanco para críticas contundentes oriundas das próprias bases petistas. Por último, vale dizer que a moldura internacional (petróleo, guerras, catástrofes) é ameaça ainda maior à desestabilização econômica que a situação interna.

Por aí se pode constatar que o departamento econômico tem vida autônoma na empresa chamada Brasil. Afora isso, as bombas explodidas ao longo dos últimos três meses espalharam estilhaços por todos os lados, distanciando a economia da política, expandindo o estarrecimento social, formando correntes de pregação cívica, arregimentando núcleos organizados, na esteira de uma intensa mobilização que redundará, ao final, num voto mais racional. A crise anima bolsões centrais da sociedade, tornando mais acesa a chama cívica das classes médias. As margens sociais - classes C, D e E - aprofundam a idéia de que os políticos são farinha do mesmo saco, na expressão de um sentimento que deverá desaguar numa enxurrada de votos nulos e em branco. Atente-se, porém, para a hipótese: a anulação de votos virá mais dos andares de baixo que dos andares médio e de cima do edifício eleitoral. A crise injeta uma vacina ética, sobretudo, em ajuntamentos do meio. Tais segmentos acompanharão atentamente o desenrolar da crise. Logo, o voto mais organizado, consciente e racional aparecerá forte, na direção de representantes assépticos ou menos poluídos pela lama da crise.

Nas trilhas dessa análise, divisa-se um voto lulista disperso, mais nulo ou mais em branco, e um voto antilulista mais crítico e direcionado a um perfil oposicionista, que canalizará a indignação contra o PT e os patrocinados por uma esgarçada bandeira vermelha, com sua envergonhada estrelinha. As atenções estarão voltadas para o discurso de Lula. O que terá a dizer? Alguém vai aceitar a explicação de que ele governa distante das tramóias cometidas por seu partido? E os feitos extraordinários que prometeu, os 10 milhões de empregos, o maná caindo dos céus na mesa dos pobres? Será difícil Lula voltar a convencer. O sol lulista só brilhará caso as pesadas nuvens que cobrem de suspeitas o mundo petista e o seu governo se dissipem, levadas por ventania milagrosa. Não dá para enxergar Lula planando sobre um furacão com a força destrutiva de um Katrina.

Além disso, até as imediações eleitorais, o presidente corre o risco de multiplicar o estoque de asneiras. O presidente está impossível. A última performance quase passou despercebida. Ao saudar o presidente nigeriano, Olusegun Obasanjo, antes de improvisar batucadas no tambor de um integrante da comitiva, orgulhou-se de o Brasil e a Nigéria terem a maior população afrodescendente do mundo. Lula falava de uma Nigéria separada da mãe África. Os romanos costumavam dizer: "Poetis et pictoribus, omnia licet" (aos poetas e pintores, tudo é permitido). Lula não é poeta nem pintor. Encaixa-se mais na historinha contada por Sebastião Nery sobre Gervásio Raimundo, candidato a deputado estadual por Palmeira dos Índios (AL), conhecida também pelo nome de Bola. "Povo de Bola", assim começou o discurso. Rápido, alguém cochichou: "Eles não gostam de ser chamados de povo de Bola." O candidato emendou: "Meus queridos bolivianos." Novo sussurro: "Boliviano é quem nasce na Bolívia." O orador, zangado, retruca: "Oxente, não é tudo a mesma coisa?" Com todo o respeito, Lula, em muitas oportunidades, mais parece esta figura.

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