Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 11, 2005

EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO NÁUSEA POLÍTICA

Severino Cavalcanti precisa ser afastado, o mais depressa possível, da presidência da Câmara dos Deputados. As evidências de conduta imprópria, para não dizer delinqüencial, que vieram avolumando-se durante a semana tornam esse afastamento imperativo. Mas isso ainda não é o bastante.
Se os deputados -ou pelo menos suas lideranças mais lúcidas- pretendem dar uma resposta à altura do que a sociedade espera, deveriam tratar de garantir a eleição de um sucessor que restaure a credibilidade, tão maltratada, da presidência da Casa. Não importa de que partido ele ou ela provenha. Importa que seja nome reconhecido pela probidade, pelo equilíbrio político e pela independência em face do Poder Executivo.
Se a maioria dos deputados não agir dessa forma por espírito público, que o faça ao menos por instinto de sobrevivência. A população está saturada pela série de revelações escandalosas; o sentimento de indignação cede lugar a uma espécie de náusea capaz de alcançar todos os políticos numa mesma repulsa.
A sociedade e seus principais agentes políticos têm revelado uma paciência quase inesgotável em relação ao presidente Lula. Depois de trair seu principal compromisso de campanha, que era a propalada mudança do "modelo econômico", o presidente permitiu que a partir de sua assessoria mais próxima se irradiasse espantoso esquema de corrupção.
Em nome da preservação da estabilidade, e com base na ausência de prova quanto ao comprometimento pessoal do chefe do governo, decidiu-se considerá-lo apenas incompetente para controlar sua própria administração em vez de patrocinador das malfeitorias praticadas.
Esse juízo benévolo, adotado tanto por cálculo como por sabedoria política, é o que tem prevalecido, mas inexiste garantia de que novas revelações não possam vir a subvertê-lo. Convém não abusar de uma sociedade já farta de ser enganada por manipuladores da credulidade popular, como Collor e o próprio Lula.
Quanto mais amplas e vigorosas foram as punições políticas, melhor (ou menos danoso) será o resultado da crise para o futuro da democracia brasileira. Se algumas dessas punições não vierem a se confirmar no âmbito judicial, esse terá sido um preço menor a pagar pelo expurgo que se faz necessário e inadiável.
Mesmo que realizado sem concessões e do modo mais cabal, é evidente que um tal expurgo não resolverá o problema da corrupção, que é endêmico nas democracias modernas. Mas terá demonstrado que a nossa democracia dispõe de instrumentos que de fato corrijam desvios e inibam as práticas mais lesivas ao interesse público. A maior alavanca da corrupção, como todos sabem, é a impunidade.
Um saldo positivo esta crise já deixou. Esperemos que esteja para sempre enterrado certo maniqueísmo que ainda dividia os políticos em dois blocos míticos, o do "mal" e o do "bem", numa polarização ilusória que gera campo propício a todo tipo de engodo eleitoreiro.
Como não poderia deixar de ser, políticos são meros seres humanos submetidos a interesses, sujeitos a pressões e passíveis de se corromper sempre que faltem controle público apropriado e precedentes de punição que os desestimulem.

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