Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 15, 2005

ALBERTO TAMER EUA Furacão cria oportunidades para o Brasil

o estado de s paulo

 

O furacão Katrina passou e as vítimas estão sendo atendidas, vo ganhar novas casas e empregos, e agora começa a avalanche de estimativas e previsões quanto às repercussões econômicas. Neste meio de semana, havia notícias boas e más. A boa era de que o preço do petróleo não explodiu, recuou de US$ 70 o barril para US$ 63, mas num cenário ainda indefinido. Algumas grandes empresas como a Exxon até suspenderam a ajuda das reservas estratégicas e estão caminhando com suas próprias pernas. Para o Brasil outra boa notícia é que a reconstrução elevará os preços de alguns produtos utilizados no setor de imóveis, pontes, poros e estradas abrindo espaço para mais exportações.

E as más? Aqui há dois ângulos. As más para a população flagelada, como a perda de mais de 740 mil empregos, e as boas são que essas mesmas pessoas, geralmente humildes e negras, que estão mostrando ao mundo as chagas da pobreza e do racismo americanos, estão sendo atendidas e ganharão, paradoxalmente, um auxílio que sempre lhes foi negado. Eram pobres enquanto a economia americana se enriquecia, mas, graças ao furacão, terão novas oportunidades. Estão ganhando casas, algo com que jamais esperavam na vida. E se emocionam. E choram desesperadamente de alegria. O furacão tirou-lhes tudo que era tão pouco, mas, agora, empresas e governos vão dar-lhes o que jamais teriam em situação normal.

AS VERDADEIRAMENTE BOAS

Ao lado do socorro do governo, que está gastando mais de US$ 60 bilhões na região atingida, as grandes empresas da região estão destinando recursos para reconstrução e para atender seus empregados sem emprego. Até ontem, esses recursos somam mais de US$ 500 milhões, mas podem chegar a US$ 1 bilhão, provavelmente descontáveis de imposto de lucros e rendas. Outra notícia é que se estimam que pelo menos 160 mil imóveis terão de ser reconstruídos ou reparados nos próximos meses. Isso já está provocando uma alta de preços dos imóveis.

"Centenas de milhares de dólares estarão sendo destinados para reconstrução. E os custos já estão subindo. O setor imobiliário usa muito combustível em seus tratores, caminhões e outros equipamentos pesados e consome energia intensivamente. Além de gerar empregos provisórios demanda grande número de materiais como chumbo, aço, cimento, plásticos, produtos siderúrgicos em geral",disse Ken Simonson, da associação que congrega as empresas dessa área.

Para ele e seus associados já há uma forte demanda de cimento. Já estão sentindo a falta desse produto.

MAIS IMPORTAÇÕES

E aqui entram as empresas brasileiras. Os EUA deverão importar toda série de produtos destinados à construção de imóveis. Certamente eles já estão negociando mais exportações que só tendem a crescer à medida que não só imóveis, mas também portos, estradas e pontes serão reconstruídos. É uma oportunidade decorrente da tragédia que os empresários brasileiros, desde a siderurgia até a própria construção, poderão utilizar.

Mas a inflação nos EUA não levará o banco central americano a aumentar o juro básico em prazos menores e porcentagens mais altas, contendo o crescimento econômico americano, o que tornará não interessa a ninguém? As associações dos construtores admitem que os preços já estão subindo, "mas só poderá repassar os custos para o comprador final na medida em que ele poderá absorver". Daí, um ponto de impasse e de limitação que poderá ter conseqüências sobre todo o setor de construção civil. Mas, acrescentam, é um problema que só iremos enfrentar talvez no fim do ano ou no início de 2006. Uma pesquisa mostra que a maioria dos americanos acredita nas conseqüências que o furacão poderá ter em seus orçamentos e, igualmente, não apóiam e criticam acerbamente como o governo de Bush se comportouo. Não adianta assumir a culpa. Agora é tarde para os mortos, mas ainda há tempo para os que sobreviveram. É verdade que muitos concentram a atenção nos preços da gasolina, que subiram muito nas semanas da pesquisa, mas já recuam na medida em que o choque passou e estão agora em queda, voltando aos níveis normais.

E o PIB? O banco central dos EUA admitiu ontem que o furacão deverá cortar 0,3% ou 0,4% no crescimento econômico, provavelmente não mais. E a previsão de crescimento do PIB está em 3,5%. Essa estimativa certamente está levando em conta o impulso que o setor de construção, como um todo, deverá ter sobre a expansão econômica. Mais de centenas de bilhões de dólares que serão aplicados na reconstrução da área atingida terão um peso considerável sobre o PIB e também na arrecadação de impostos. Foi isso talvez que provavelmente levou o secretário do Tesouro a admitir que o déficit orçamentário deverá diminuir neste ano. É uma previsão um pouco arriscada, mas não podemos esquecer que os gastos militares do governo e de segurança continuam crescendo depois de quatro anos do atentado terrorista de 11 de setembro.

Só para comparar, os economistas do governo ou do setor privado lembram com freqüência que a economia americana estava em declínio quando do ataque e, após ele, com a drástica redução dos juros e estímulos tributários, voltou, rápido, a um crescimento que se mantém até agora. Ou seja, pode ser desumano, admitem, mas os desastres quase sempre estimulam a economia nos países mais ricos que dispõem de grandes recursos internos.

O NOSSO DRAMA DO NORDESTE

Isso não acontece em outros, como o Brasil, onde as secas que assolam o agreste e o sertão do Nordeste continuam sendo, até hoje, uma tragédia climática mais do que previsível desde o tempo de D. Pedro II.

A propósito lembro que, quando cheguei a Paris, em 1994, estava havendo uma forte perda de safra e eu procurei saber dos órgãos oficiais como os agricultores estavam "sendo atendidos". A senhora que me atendeu, olhou-me surpresa, e respondeu um tanto irônica: "Ora, eles tiram férias, vão para as praias ou as montanhas com o dinheiro do seguro e voltam depois quando a situação se normalizar."

Não me lembro se sorri ou fiquei triste, relembrando a miséria do nosso Nordeste, que tanto visitei e sobre a qual escrevi quatro livros. Isso está acontecendo também agora, nos EUA, em proporções mais dramáticas porém menos curta. Aquelas pessoas "flageladas", uma palavra tão usada para o nosso periódico e inapeláveis do nosso drama nordestino, terão a partir de agora uma vida melhor. O nordestino, após a seca e as provisórias frentes de trabalho, não.

E um fato importante, mas pouco comentado, como são pessoas que consumiam pouco, vão comprar e consumir agora, entrando para o mercado interno e também externo americano.

Resumindo, a tragédia humana do furacão vai acabar redundando em melhor condição de vida para os pobres flagelados do país rico, uma espécie de bênção que eles não esperavam jamais.

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