BLOG CASAGRANDE
As crises morais são oportunidades de as sociedades mostrarem sua alma. As mentes partidarizadas têm desprezado com assombrosa caradura fatos estarrecedores sobre os descaminhos éticos do governo e de seu partido. Entristece constatar como a mídia tem se valido de eufemismos ideologicamente construídos para discorrer, cheia de dedos, sobre a estrela vermelha que vem sendo coberta de marrom fétido. A fração da imprensa que antes se omitia diante das falhas grosseiras de gerenciamento, dos projetos autoritários – Ancinav, Conselho Federal de Jornalismo – e dos discursos escalafobéticos do presidente agora esvazia o conteúdo avassalador da roubalheira sistêmica rebatizando-a como "crise política". A contundência dos fatos torpes e das mentiras deslavadas é atenuada pelo uso de expressões anódinas. Os direta e indiretamente envolvidos nos escândalos mencionam vagos erros de companheiros quando suas frases têm como sujeitos ocultos contumazes ladravazes. O ilusionismo ideológico não tem escrúpulos: a corrupção mental não se constrange em substituir a ilicitude – juridicamente enquadrável - e o deslize moral – coletivamente condenável – pelo erro vago de tipo operacional ou intelectual. A corrupção das mentes é muito mais grave que a dos bolsos...
Atacando o tempo todo uma elite nebulosamente identificada, os mutreteiros oficiais tudo fazem para explorar a ingenuidade dos que vivem nas trevas do intelecto. A esquerda tenta doutrinariamente transformar o Brasil no país dos pobres, mas o que consegue é torná-lo apenas o paraíso dos pobres de espírito. Juristas em altos postos da república declaram que Collor caiu pela impopularidade, pela indignação que o seqüestro da poupança causou. Quer isso dizer que se a lama da corrupção vier a adentrar claramente o Palácio do Planalto terão os setores lúcidos e críticos da sociedade de fingir que nada vêem se o presidente se mantiver popular. A delitos iguais ou parecidos raramente se aplicam as mesmas penas no Brasil. Nosso país é useiro e vezeiro em dispensar tratamentos diferenciados aos mesmos tipos de crime. Esta a raiz de nossos males coletivos e institucionais: politizamos demais, só falamos no estrutural e perdemos de vista o local, sonhamos com grandes transformações e deixamos de fazer o trivial.
A sociedade civil é fraca porque muitas de suas organizações se mostram dependentes do Estado ou se deixam por ele cooptar. Até grupos que não recebem verbas e subvenções aceitam colocar antolhos ideológicos. Não por acaso, a UNE e a Ubes mudaram de fantasia só porque o governo é do PT: seus manifestantes deixaram de ser caras-pintadas para ser caras-de-pau. É preciso fazer muita ginástica mental, aceitar como normal a cisão esquizofrênica, para se cegar como um Édipo e sair às ruas protestando com impressionante incongruência: contra a "crise política", exigindo a prisão dos corruptos por meio de cartazes vistosos, atacando a política econômica e defendendo o presidente Lula. Eis o samba do estudante doido. Se os movimentos sociais tivessem efetivamente a intenção de defender o presidente Lula não atacariam sua política econômica, já que até agora é a âncora que tem evitado que o navio da crise fique à deriva.
Quando se sustenta que não há condições políticas para se desencadear o processo de impeachment do presidente da república duas questões vêm à tona. Se a culpa vier a ser objetivamente estabelecida, configurando-se o chamado crime de responsabilidade e mesmo assim parte da opinião pública e setores expressivos dos chamados movimentos sociais continuarem apoiando Lula e lhe hipotecando solidariedade, ainda assim será possível continuar rechaçando a proposição do impeachment? Mas como manter Lula na presidência se vier a ficar insofismavelmente comprovado que se envolveu com o maior esquema de corrupção (sistêmica) de todos os tempos? Como permitir que termine o mandato sem enfraquecer ainda mais as instituições, sem que o País desmoralize ainda mais as instituições? A segunda questão: se parcela expressiva da população é complacente, independentemente dos motivos e das razões que tenha, com um governo contra o qual pesam seríssimas acusações é inevitável inferir que a crise moral é tão grave que gerou conivência até mesmo por parte daqueles que não se beneficiaram nem indiretamente com a corrupção. E pode haver algo mais desalentador?
Ora, caso se configure um nítido descompasso entre o jurídico – uma inequívoca comprovação de ilícitos – e o político – uma razoável popularidade do presidente – será imperioso saber se a opinião pública é desinformada, se demora a se informar ou se é condescendente com a corrupção praticada ou tolerada por governantes carismáticos. Das respostas possíveis, a última revelará uma alma nacional moralmente despedaçada. O partidarismo e a ladroeira impedem que as instituições sejam postas a serviço da realização de objetivos de interesse coletivo e do respeito incondicional a determinados valores. Se a corrupção nossa de cada dia for praticada por poucos e aceita por muitos como normal – todo muito faz! – então se estará diante da constatação de que em nossa sociedade a corrupção é uma doença espiritual.
Quanto à ética, que o PT durante muito tempo se considerou seu puro e lídimo defensor, cabe lembrar dois versos do Canto de Ossanha: "O homem que diz "sou" não é porque quem é mesmo é "não sou"...
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