Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 18, 2005

João Ubaldo Ribeiro:Quem nasceu ontem?

o globo

Não sei em que vai dar todo o fuzuê da semana passada. É bem possível que não dê em nada e os punidos por acusações eventualmente provadas venham a ser o boy que comprou as malas do suposto dinheiro do mensalão (tenho que usar “suposto”, “alegado” etc., senão pode dar processo em cima de mim; mas, como é meio chato ficar repetindo esses adjetivos o tempo todo, peço que os subentendam daqui por diante) e talvez os caixas dos bancos que entregaram o dinheiro aos sacadores. E certamente vai sobrar para mim, pois deverei incorporar a condição de preposto do deputado Roberto Jefferson à minha condição de porta-voz de quem quer que achem que no momento estou portavozeando. Mas é isso mesmo, já estamos e já estou acostumado.

Sim, é quase tudo suposto e alegado, mas há aspectos interessantes, para quem assistiu ao depoimento. A primeira crítica que ouvi e li era que foi uma encenação. Ele estava firme, direto, seguro, sem tergiversação, acusou gente cara a cara e apenas, talvez por enquanto, não apresentou provas. Interessante, isso. Se ele tivesse aparecido titubeante, vacilante, gaguejante e nervoso, seu depoimento seria criticado igualmente, só que pelas razões opostas. Ou seja, a crítica à forma com que ele se conduziu seria usada de qualquer jeito, por quem tem culpa no cartório. E o fato de que ele admitiu ter cometido crime eleitoral também desmoralizaria o depoimento.

Não lembro bem, mas esse tipo de argumento, no tempo remoto em que estudei Lógica, chamava-se “falácia ad hominem”. Não se desmente o que o sujeito diz, mas se procura demonstrar que ele não é fonte confiável. Não se contesta o fato, contesta-se quem o revela. Comparação hipotética, só para ilustrar: um sujeito condenado por peculato testemunha, contando fatos, um furto praticado por outro. Em vez de se apurarem os fatos, alega-se que um criminoso condenado não dará testemunho verdadeiro, quando uma coisa pode muitíssimo bem não ter nada a ver com a outra. “Você roubou!”, diz um. “Ah, é? E você, que tem várias amantes?” Claro, mais um exemplo de o fiofó nada ter a ver com as calças, mas hoje fartamente usado.

Em segundo lugar, tudo bem, não se pode aceitar acusações sem provas, mas a vida não é simples e a prova jurídica tem requisitos especiais. O que vou dizer agora, por exemplo, não é prova de nada, mas vi um homem seguro, controlado e exibindo destemor, dando nomes aos bois, fazendo acusações cara a cara e expondo um panorama apavorante de como se conduz o país. Quando ele disse que todo mundo ali sabia do mensalão, ninguém protestou. E quem estava nervoso, suando e inquieto não era ele, eram outros. Impressões, impressões, é claro, nada de prova jurídica, mas creio que não nascemos ontem e a verdade é que, prova ou não prova, está na cara que o mar de lama é um oceano. Pode não haver provas jurídicas, mas alguém acha mesmo que foi tudo inventado? Só um bobo ou fanático, na minha opinião.

E apareceram, sim, começos de evidências, incluindo o manjado “não foi encontrado para dar esclarecimentos” ou “se recusou a dar entrevista”. De novo, não é prova jurídica, mas vemos muito isso acontecer e sabemos o que costuma significar, pois “quem não deve não teme” tampouco constitui prova jurídica, mas todo mundo sabe que é verdade. Para não falar que já houve testemunhos, apesar de logo atacados pela falácia mencionada. Ou por outros mecanismos, talvez mais fáceis e eficazes. A ex-secretária que contou ter visto as malas com dinheiro a um repórter da “Istoé Dinheiro” se desdisse perante as autoridades, embora o repórter tenha afirmado que foi procurado por ela e a declaração está gravada. Tem uma menas verdade aí. Ou o repórter não preza muito seu emprego ou a memória dela foi subitamente afetada. Tenho cá meu palpite, que seria irresponsável dar agora, mas desconfio que o de vocês é parecido.

Quem quiser que diga o contrário, direito que, naturalmente, defendo, até porque sem isso eu não poderia defender o meu direito de dizer o que quero. Mas para mim o que foi presenciado foi um retrato deprimente de um submundo com o qual a legendária Máfia talvez não pudesse comparar-se. Curso de pós-graduação para Al Capone. Como se expôs sujeira para gerações de garis em tempo integral, como se expôs a esculhambação desregrada, o desrespeito, a falta de princípios, a troca de partidos por dinheiro (luvas) e a manutenção da lealdade (mensalão, que, aliás, melhorou muito depois que alguém ligado ao PT disse que o nome certo não era mensalão, mas “apoio financeiro”, o que, naturalmente, muda tudo, fica muito mais decente). Como a bandidagem corre solta, como a falcatrua é do dia-a-dia, como tem todo tipo de trambique, meu Deus do céu! Houve “indignações” e negativas veementes, mas a verdade é que o pessoal do ramo que estava ali não parecia surpreendido com nada da imundície e sordidez comentadas. No máximo, alguns queriam estar, ou estão, fora desse quadro, mas não ouviram novidades.

É, é isso mesmo, vamos continuar na platéia. E lamentar o que vem acontecendo com o presidente, desamparado, desorientado, fingindo calma, dizendo inanidades sobre como foi bom o time dele ter ganho ou bravateando que não vai ficar pedra sobre pedra. De novo é apenas uma impressão, mas dá pena, porque ele parece não decidir como agir, definir aonde ir, traçar que caminho tomar. Como um bebê sem babá, não sabe o que fazer com o Ministério, com a economia, com coisa nenhuma. Já falei mal e, se for o caso, falarei mais, do governo dele, mas a verdade é que dele o governo só tem o nome. Ele, pelo passado e pelo perfil moral, não merecia entrar assim em nossa História. Mas periga entrar e, já que estou meio Sancho Pança, cheio de provérbios, lembro, ai dele, que quem com porcos se mistura farelos come.

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