Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 08, 2006

Três idéias para o entendimento


Artigo - Paulo Rabello de Castro
Folha de S. Paulo
8/11/2006

Entendimento se faz com idéias práticas, que possam ser negociadas e, de modo rápido, implementadas

O DEBATE entre supostos "monetaristas" e presumíveis "desenvolvimentistas" é estéril. Nenhum monetarista sério pensa que "crescer menos" seja um objetivo. Tolice. Tampouco um "desenvolvimentista", digno desse grande nome, deixará de observar os bons princípios da austeridade monetária.
A partidarização desse debate só tem prejudicado o país e reduzido o espaço do entendimento. Mas o Brasil é um velho moço, cansado de seus próprios desacertos e contradições. A reeleição do presidente Lula, se significa alguma coisa no plano da percepção coletiva -a chamada "voz do povo"- antes de mais nada, determinou que as forças políticas do país parem de puxar o cobertor curto para o seu próprio pé e, de fato, caminhem na direção de um entendimento suprapartidário.
Ao entendimento, não importam os custos emocionais nem as ânsias de vômito de parte a parte. Entendimento se faz com idéias práticas, que se possam negociar e implementar o conteúdo com rapidez.
Três idéias, portanto, em prol do entendimento. O objetivo que as entrelaça é, sem dúvida, acelerar o crescimento, com distribuição eqüitativa da renda, sem perder, no caminho, a estabilidade dos preços.
Exemplo: a China deliberou por mais crescimento. Cresce a mais de 10% ao ano, por duas décadas. Tinha 99% de sua população na faixa de pobreza. Essa percentagem já caiu, por força do crescimento acelerado, para 77% em 2005, e os especialistas apontam o maior ganho absoluto sobre a pobreza até 2015 -quando se projeta o número de pobres abaixo de 25% da população.
No Brasil, a fórmula do crescimento acelerado passa por conjugar mais eficiência fiscal com maior supervisão e participação da própria sociedade nesse processo. Primeira idéia para ação imediata: convocar um grupo de empresários, formados numa "comissão de governança", para avaliar a fundo as práticas administrativas e a gestão orçamentária/financeira do governo federal, apontando soluções práticas, dentro do atual arcabouço legal, para a administração pública realizar a meta de qualquer gestor bom e probo: fazer mais com menos recursos.
A esclerose das rotinas administrativas não é privilégio do setor público. Os empresários privados passam a vida fazendo reengenharias em suas empresas. Não seria diferente no governo.
O presidente americano Ronald Reagan, no início do seu mandato, teve peito de fazer essa mea-culpa do governo, quando percebeu que a projeção da despesa federal nos EUA levaria seu país à falência antes do ano 2000. Chamou um empresário, J. Peter Grace, e a ele confiou a tarefa de formar uma comissão de 60 empresários e especialistas, todos de fora do governo, que relatou o que se viu na administração pública e ofereceu mais de 4.000 sugestões, contidas no que ficou chamado de "Guerra à Gastança -Relatório Grace" (1984). O esforço da comissão custou US$ 75 milhões, integralmente financiados pelos próprios empresários. Graças a essa ação, nos anos seguintes, reduziu-se formidavelmente o gasto público projetado, abrindo espaço para o equilíbrio orçamentário, finalmente obtido por Bill Clinton, no ano 2000.
A idéia da Comissão de Governança poderia ser complementada por uma segunda, no campo fiscal: limpeza dos passivos financeiros (federal e estaduais), envolvendo sua liquidação, por transação contra ativos correspondentes, ou seu remanejamento pelo próprio mercado, uma vez "securitizados", ou seja, tornados negociáveis. Essa idéia, abandonada no nascedouro pelos artífices do Plano Real, se implementada, promoveria enorme arrumação nas contas públicas e conseqüente redução da taxa de juros.
A terceira idéia é no campo da gestão monetária: "independência" para os gestores da moeda, ao nível do CMN (Conselho Monetário Nacional), cujos membros determinam a meta de estabilidade de preços, conjugada ao objetivo de progresso sustentado, tarefa hoje apagada pela excessiva prevalência do poder do Banco Central, via Copom. O CMN exerceria essa autonomia operacional, ouvido o Senado.
Para tanto, é necessário reforçar a estrutura do CMN enquanto órgão deliberativo-regulador, com participação, se possível majoritária, de especialistas representando a sociedade, sem vínculos associativos, federativos ou corporativos. Hoje o CMN tem só três membros, todos do governo. Poderia ser um conselho de cinco a sete pessoas. Com a palavra o presidente reeleito, logo que houver descansado... por suposto.

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