Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, novembro 06, 2006

FH'Palocci foi uma virtude do governo Lula'



O Globo
6/11/2006

DEPOIS DOS VOTOS: Ex-presidente diz que declarações de Marco Aurélio Garcia sobre liberdade de imprensa são dúbias

Fernando Henrique defende o ex-ministro da Fazenda e critica o PSDB por não defender as privatizações

Aos 75 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) rejeita o título de líder da oposição no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas afirma que vai dizer o que acha conveniente "o tempo todo". O ex-presidente disse achar uma injustiça as críticas feitas por petistas à política econômica do ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci, que deixou o cargo após a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Para Fernando Henrique, a responsabilidade na condução da política econômica e a ligação de Lula com o povo foram os principais fatores que propiciaram a reeleição do petista.

O GLOBO: O senhor está sendo considerado um dos líderes da oposição no segundo mandato Lula. Como pretende liderar essa oposição? Será ferrenha?
FERNANDO HENRIQUE: Isso são os outros que estão dizendo. Não me proponho a ser o líder de nada. Vou dizer o que acho conveniente fazer, o tempo todo. Isso é função de quem tem experiência pública e tem background da vida intelectual brasileira. O PSDB deve ser um partido que ajude a construir um Brasil democrático e integrado economicamente. Até que ponto o governo Lula vai ser isso eu não sei, vai depender mais do governo do que da gente. O PSDB tem que manter seus princípios e o PT, os dele. Se houver confluência ótimo. Se não briga-se, debate-se.

Governistas acham que vão enfrentar um PSDB rachado, entre conservadores liderados pelo senhor, e moderados, como os governadores eleitos José Serra e Aécio Neves. Há divisão interna no partido?
FERNANDO HENRIQUE: Essa divisão é da cabeça da Marta (Suplicy). E eu não vou comentar porque a cabeça dela nunca foi forte em análise política. Se houver uma divisão, não é essa. Eu sou desenvolvimentista, sempre fui. Para crescer é necessário investimento público e privado e você não tem investimento público se não tem as contas ajustadas. Não há uma contradição entre desenvolvimentismo e contas ajustadas.

O senhor defendeu a candidatura de José Serra à Presidência. O partido errou na escolha?
FERNANDO HENRIQUE: Seria muito difícil para qualquer candidato vencer o Lula nas condições atuais. Primeiro, ele fez a política econômica correta e eu sempre reconheci isto. É uma injustiça o que alguns companheiros do PT estão fazendo com o Palocci. O ministro fez o que tinha que ser feito. Foi uma virtude do governo Lula e eu nunca neguei. Segundo, ele estendeu o programa social enormemente. Terceiro, você tem um real muito valorizado e, do ponto de vista da inflação e do bolso do povo, é positivo. O Lula tem uma ligação direta com a população mais pobre. O Lula é competente para se dirigir à população e não tem limites em se dirigir. A todo tempo ele faz campanha.

Como analisa a campanha petista no segundo turno?
FERNANDO HENRIQUE: O segundo turno deu um retrocesso ideológico maior que os quatro anos do governo Lula. Eu nunca cogitei privatizar a Petrobras. O Banco do Brasil, ao invés de privatizá-lo, eu salvei duas vezes. A Caixa Econômica idem. Fortalecemos estas instituições, para funcionarem sem ingerência política. Agora elas precisam ser reestatizadas, pois elas estão "petizadas". E a discussão verdadeira é esta: vamos reestatizar ou vai ser petizada?

Alckmin errou ao tentar negar que faria privatizações, em vez de defender as que foram feitas em seu governo?
FERNANDO HENRIQUE: Não quero fazer críticas ao Geraldo, mas ao meu partido mesmo. E eu fiz antes, quando escrevi a carta ao PSDB no primeiro turno. Você não constrói um partido, uma posição política ou um país, se não defender claramente o que pensa. Você não pode aceitar que o PSDB vendeu o patrimônio público a troco de nada porque não é patriota, tem que defender.

A queda de oligarquias no Nordeste, como na Bahia e no Maranhão, é efeito do Bolsa Família?
FERNANDO HENRIQUE: É uma tendência que vinha de mais tempo. O voto de cabresto está perdendo e não acho que seja em razão do Bolsa Família. O Bolsa Família cria um outro tipo de, não é cabresto, mas de lealdade. Faz tudo como se fosse uma dádiva. Não é que a bolsa em si seja ruim, o mecanismo pelo qual ela está sendo divulgada e outorgada é um mecanismo clientelístico. Então você não tem grande vantagem em trocar o caudilhismo local pelo caudilhismo nacional.

Nesta semana, a revista "Veja" acusou a Polícia Federal de intimidar jornalistas. O senhor acredita que há um cerceamento à liberdade de imprensa?
FERNANDO HENRIQUE: Há sinais inquietantes neste sentido. Como setores do PT acreditam que eles é que vão salvar a pátria, acham que tudo que é crítica é contra o país, não contra eles. Isto é antidemocrático. É inaceitável qualquer perseguição a qualquer órgão de imprensa. Não gostei das declarações do Marco Aurélio (Garcia, presidente em exercício do PT) porque são dúbias e nessa matéria não pode haver dubiedade. A liberdade de expressão é pilar da democracia. Não podemos aceitar perseguições a jornalistas, corte de verbas, favorecimento da imprensa.

Tasso Jereissati, chegou a dizer que passaria a presidência do partido a Alckmin. O senhor endossaria?
FERNANDO HENRIQUE: O Tasso vai ficar na presidência do partido até novembro do ano que vem. Se o Geraldo vai ser depois, vamos ver.

Pensando em 2010, quem seria o melhor candidato do PSDB, Aécio ou Serra?
FERNANDO HENRIQUE: Ambos têm chances e não fecho meu coração e minha cabeça para nenhum dos dois, ou mesmo para um terceiro.

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