O GLOBO
Até agora, a atual crise do petróleo tinha sido diferente das outras. Talvez continue a ser por um lado, mas o furacão Katrina pode tornar a escalada de preços cada vez mais perigosa para a economia. As outras três crises provocaram recessão mundial e esta acontece no meio de uma onda de crescimento; em parte, porque não era resultado de queda de oferta, mas de alta de demanda.
As crises do começo e do fim dos anos 70 e a do começo dos anos 90, na Guerra do Golfo, foram resultado de queda proposital de oferta ou incerteza dessa oferta. A atual onda de aumentos, que levou os preços do barril de US$ 18 para níveis de US$ 70 em menos de quatro anos, tem sido totalmente diferente das outras.
Primeiro, porque o que ocorreu foi aumento da demanda, principalmente da China, por uma onda forte de crescimento econômico. Segundo, porque hoje as economias mais vulneráveis aos choques, Europa e Japão, são muito mais poupadoras de energia que nos irresponsáveis anos 70. Terceiro, porque a economia mundial, como um todo, é menos dependente de petróleo dos países árabes do que jamais foi, com o aumento da produção no Mar do Norte e, principalmente, na Rússia.
Por tudo isso, a avaliação de alguns analistas é que este choque de preços não viraria um choque de oferta. Os preços subiam mais por manobras de especuladores que por problemas reais. Mesmo com maior demanda, o mundo continuava abastecido. Fatos sem importância séria no mundo do petróleo detonaram fortes ajustes especulativos. Os analistas culpavam mais os especuladores do mercado futuro que problemas reais do mundo físico do petróleo.
O furacão Katrina está assustando por ocorrer na maior região produtora do maior consumidor do mundo e é também a região onde se concentram muitas refinarias americanas. São oito na região atingida. O mundo do petróleo não se detém no mundo no drama humano que arrasta cidadãos americanos e a economia das áreas atingidas. O que entra agora na conta é que, num mundo com demanda aquecida e com pouca chance de aumento de produção, uma região produtora está sendo atingida por um desastre natural de grandes proporções.
O uso das reservas estratégicas americanas é bom da perspectiva de atender ao problema imediato e de enfrentar politicamente a questão. Mas o mais razoável seria o aumento dos preços de um produto que sempre será estratégico. Vários países têm aumentado a distorção do mercado por manter subsídios fortes ao consumo. China e Indonésia, por exemplo. Assim, alimentam a contradição por estarem incentivando o consumo de um produto que está escasseando.
Os dois maiores produtores não têm interesse em aumentar a produção. A Arábia Saudita por ser o maior e por não ter necessidade alguma de aumentar ainda mais do que já aumentou recentemente a produção do seu petróleo. A Rússia por não ter como escoar.
Os Estados Unidos continuam os grandes beberrões de combustíveis fósseis do mundo. O ajuste feito lá é muito menor que o feito na Europa. Os EUA consomem 50% mais petróleo por cada dólar do PIB que a Europa. São, como disse a revista "The Economist", oiloholics , ou seja, viciados em petróleo. E na administração Bush — apesar do apelo de redução de consumo feito ontem — deverão continuar se embriagando de gasolina. O mesmo na China, porque não há sinal de que o país decida parar de subsidiar o explosivo consumo chinês.
Até o Katrina, o que mais se ouvia no mercado de petróleo é que agora era tudo diferente. E há mesmo muitas diferenças. Mas certas coisas permanecem inalteradas: primeiro, o preço do petróleo, quando dispara, desestabiliza a economia mundial em algum momento; segundo, o consumo descontrolado de uma fonte de energia não renovável é uma insensatez; terceiro, o consumo de combustível fóssil é nocivo ao meio ambiente. Razões mais que suficientes para, em qualquer nível de preço, ser mais comedido com o uso do petróleo.
A "The Economist" lembra que Estados Unidos e China estão incentivando os preços altos não apenas pelo consumo, mas pela política monetária. "Os dois preços mais importantes na economia mundial são o do petróleo e o do dinheiro e eles estão ligados." Os juros estão baixos demais nos dois países, diz a revista, e, pelo visto, permanecerão baixos. Os aumentos recentes do crescimento mundial e do consumo global de combustível foram os maiores dos últimos 30 anos. Num ambiente assim, de embriaguez e insensatez, o Katrina pode ser a gota d'água.
Ontem, os relatórios dos bancos começaram a considerar o Katrina nas análises sobre consumo, suprimento e preços futuros. A maioria acha que o furacão faz um estrago na idéia de que desta vez tudo seria diferente. A Merrill Lynch concluía que a escalada de preços e o Katrina juntos podem provocar uma redução da perspectiva de crescimento da economia americana para os próximos trimestres.
A China e os Estados Unidos, de maneira diferente, são dois viciados em petróleo, diz a "The Economist", que termina o artigo com uma frase maldosa, como sempre: "Quanto mais eles demorarem para cortar o vício, maior será a enxaqueca. George Bush aprendeu isso certa vez sobre o álcool. É hora de gradualmente reduzir o vício do petróleo também."
Entrevista:O Estado inteligente
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