O GLOBO
O deputado José Dirceu, animado pela liminar que recebeu do ministro Carlos Velloso na luta para preservar seu mandato, anuncia que vai entrar no Supremo Tribunal Federal contra o processo de cassação que lhe move a Câmara dos Deputados, insistindo na alegação de que, sendo chefe da Casa Civil da Presidência, e não estando exercendo o mandato parlamentar, não pode ser cassado por quebra do decoro parlamentar por fatos acontecidos naquela ocasião.
Embora vários casos possam parecer semelhantes ao de Dirceu, esta é uma questão que não tem precedentes no Supremo. Assim como não houve posicionamento político nas liminares que concederam, primeiro o presidente do Supremo, ministro Nelson Jobim, aos seis deputados petistas, e em seguida o ministro Carlos Velloso, estendendo a medida a Dirceu, a vitória na questão do direito de defesa nada tem a ver com o outro pleito de Dirceu.
O deputado José Dirceu entrou com uma petição no Supremo querendo se transformar em um dos autores do mandado de segurança, que havia sido impetrado pelos outros seis deputados petistas ameaçados de cassação. O ministro Carlos Velloso explica que ele estando na mesma situação dos autores originários, "a lei permite, e então eu o admiti. Mantive a liminar sob condição, e pedi informações à Câmara. Ela estando mantida, não haveria motivo para não ser estendida".
O fato de a Câmara ter dado as cinco sessões para que todos os acusados se defendam no processo da Corregedoria revela que, apesar dos protestos, resolveu acatar a decisão do Supremo, admitindo que o direito de defesa havia sido cerceado. Com essa decisão, fica prejudicado o mandado de segurança. Também partidos como o PDT e o PPS desistiram de entrar com um pedido de cassação contra os deputados petistas, o que levaria o processo diretamente para a Comissão de Ética, pulando a Corregedoria, onde o processo agora está parado.
O ministro Velloso esclarece que não procede o argumento de que a questão diz respeito ao regimento interno do outro poder, e portanto o Judiciário não poderia interferir. "Direito de defesa está previsto na Constituição, e essa é uma questão em que o Judiciário pode exercer a censura".
Já no caso da alegação do ex-ministro José Dirceu de que não exercia o mandato de deputado quando ocorreram os fatos de que lhe acusam, não há um precedente. O professor Nilson Rogério Pinto Leão, do departamento de direito público da Universidade Federal de Juiz de Fora, e advogado em Minas Gerais, enviou e-mail ao colunista Ancelmo Gois a propósito de uma nota sobre o caso, alegando que ele não é controverso como parece. Seus argumentos são, pelo menos em parte, os mesmos dos advogados de defesa de Dirceu.
Ele lembra que o texto do regimento interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 231, se refere às normas de ética e decoro parlamentar para os deputados "no exercício do mandato...", taxativamente. Também o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, aprovado pela Casa em outubro de 2001, no artigo 1, diz: "Este Código estabelece os princípios e as regras básicas de decoro que devem orientar a conduta dos que estejam no exercício do cargo de deputado federal".
E todos os casos que são apontados como semelhantes ao de José Dirceu, de deputados cassados por atos praticados quando ainda não exerciam o mandato, "simplesmente não existem", afirma o advogado Nilson Rogério Pinto Leão. No caso do ex-deputado Hildebrando Pascoal, o parecer do relator Inaldo Leitão asseverou, literalmente, que um dos fatos de que aquele parlamentar era acusado ocorrera "... já no exercício deste mandato" o que, ainda segundo o então relator, "... nos livra da incômoda e exaustiva discussão teórica sobre se é possível ao parlamentar perder o mandato por atos cometidos antes de sua diplomação".
O advogado explica que "não estou entrando no mérito das condutas imputadas ao deputado José Dirceu — estou apenas afirmando que, juridicamente (ou se um mínimo de técnica jurídica prevalecer), no atual Estado de Direito brasileiro, é absolutamente impossível a cassação dele por atos que em tese seriam incompatíveis com o decoro parlamentar na hipótese (que ao que parece é o caso) de os mesmos terem sido praticados quando ele ainda se achava afastado para exercer o cargo de ministro de estado".
Nesta condição, diz Nilson Rogério Pinto Leão, "eventuais ilegalidades que ele tenha cometido deveriam (como agente político do Poder Executivo) e se for o caso deverão levá-lo sim à responsabilização (civil e criminal): mas por improbidade administrativas e/ou crimes comuns e crimes de responsabilidade, perante os poderes competentes, jamais porém à cassação de mandato por suposta quebra de decoro parlamentar".
Como se vê, o deputado José Dirceu tem pontos importantes para a sua defesa, mas duas questões podem anular toda essa argumentação: ele ter optado por receber o salário de deputado, que é maior que o de ministro; e ter desistido de continuar participando do conselho da Petrobras porque o artigo 54 da Constituição Federal afirma que, a partir da diplomação, um deputado ou senador não pode exercer funções remuneradas em órgãos da administração pública, como fundações, empresas estatais, empresas públicas e autarquias.
O art. 55 pune com a imediata perda do mandato o parlamentar que ocupar função nessas entidades da administração pública. Esses fatos indicariam para os juízes do Supremo que ele não se desvinculou da representação que tinha. Há uma tendência de que os ministros considerem que a alegação seria uma farsa.
Entrevista:O Estado inteligente
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