O Globo
"A corrupção mina a democracia, mina os mercados, a confiança dos investidores. Isso atinge o centro do que nós estamos conversando, que é como fazer a economia crescer e tirar as pessoas da pobreza. A corrupção em si é um impedimento ao crescimento e à prosperidade." A frase é do secretário do Tesouro americano, John Snow, mas poderia ser dita por todos os democratas. Tem a força das verdades incontestáveis.
Quando toquei no assunto, na entrevista que me concedeu no domingo em Brasília, ele procurou amparo nas respostas diplomáticas: "Isso é assunto interno brasileiro." Eu disse que estava pedindo não um comentário sobre o problema em si, mas se o governo americano estava preocupado. John Snow disse que confiava no Brasil e nas suas instituições:
— Eu acredito que o Brasil tem uma democracia robusta, com fortes instituições. Eu acredito no Brasil e no seu compromisso com a democracia — afirmou. Ele lembrou também que o mercado demonstrou a mesma confiança, tanto que o risco-Brasil subiu um pouco, mas está bem abaixo do que estava na crise de 2002.
Quando quis saber sobre se seria possível cooperação das autoridades bancárias americanas contra lavagem de dinheiro, ele disse que é exatamente assim que se combate a lavagem de dinheiro: com atuação conjunta de órgãos de vários países.
John Snow desembarcou domingo. Sua viagem faz parte de uma série de encontros que estão ocorrendo entre os dois países, desde que, na primeira reunião entre os presidentes Bush e Lula, eles decidiram que as áreas econômicas de ambos os países conversariam para encontrar uma agenda para o crescimento.
O secretário tem dito, em todos os eventos a que vai, que o crescimento econômico é o caminho para resolver a maioria dos problemas das nações. Repete sempre que o crescimento é resultado de boas políticas. Eu ponderei que alguns economistas no Brasil, alguns deles ligados ao PT, acham que política monetária apertada e a busca de superávit fiscal são impedimentos ao crescimento.
— São apenas boas políticas. Boas políticas nunca constrangem o crescimento — disse Snow.
Quis saber por que então o governo americano mantém um déficit tão alto.
— Estamos trabalhando nisso — respondeu.
Ele contou que os últimos indicadores mostraram queda do déficit, que já foi 5%, para abaixo de 3%. Agora está em 2,7% e vai ficar até o fim do governo em 1,5% e 1,1%, abaixo da média histórica. É bem verdade que Bush assumiu o poder com o país com superávit orçamentário.
— Mas nós herdamos uma recessão que fez cair muito a receita — disse.
A redução do déficit deles não está se dando pelo corte de gastos, mas por aumento de receita devido ao crescimento econômico.
Perguntei se a guerra do Iraque não era cara demais e uma das razões da deterioração fiscal americana. Ele deu uma resposta bem à moda do governo Bush:
— Não é uma questão para dólares e centavos. Se o Iraque se tornar a maior e mais livre democracia do Oriente Médio isso terá sido bom.
E a Arábia Saudita?, quis saber.
Snow hesitou um pouco e disse que a Arábia Saudita continuará sendo o maior produtor de petróleo do Oriente Médio. O que ele não pode é reconhecer que o maior aliado americano na região é uma ditadura monárquica.
— Quando a semente da democracia for plantada na região, a democracia é tão irresistível, que, quando se instala, espalha-se, faz o mundo mais pacífico e mais próspero.
Snow acha que os desequilíbrios mundiais se resolverão assim, aos poucos, e usando o santo remédio do crescimento:
— Precisamos de mais crescimento. Uma Europa mais forte, um Japão mais forte, para o mundo lidar com esse desequilíbrio.
Quando houver mais crescimento nessas áreas, maior capacidade de poupança da economia americana e uma mudança na política cambial asiática, o mundo corrigirá seus desequilíbrios na visão dele. Snow acredita que a mudança é para valer. Admite que a valorização do yuan foi pequena, mas acha que os chineses se comprometeram com um câmbio mais flexível.
Ele está esperançoso de que se consigam retomar as negociações da Alca, ainda mais agora que foi fechada a negociação dos Estados Unidos com a América Central. Ultimamente, o que se tem visto é o oposto disso: ambos os países sabotando as negociações. Mas Snow garante que Brasil e EUA estão realmente querendo chegar a bom termo nessa negociação. Na visão dele, ambos já têm uma relação forte:
— O Brasil vende para os Estados Unidos 25% de todas as exportações; das 500 maiores empresas americanas, 400 têm investimento no Brasil. Temos também a mesma sociedade multicultural.
Snow veio disposto a agradar. Ao contrário do seu antipático antecessor, Paul O'Neill, que colecionou gafes em relação a todos os países da região. Sua visão da economia mundial é extraordinariamente otimista. Ele acha que os Estados Unidos estão começando um processo de ajuste da economia mundial, garante que está monitorando o que está acontecendo no mercado imobiliário e afirma que o dólar, mesmo fraco, não vai deixar de ser a moeda de referência do mundo.
Entrevista:O Estado inteligente
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