Todo governo tem seus problemas, nenhum governante é imune à inépcia e há muito mais erros que acertos na administração de nossas instâncias públicas.
Nada de extraordinário, portanto, em atos de interferência federal para dar um jeito num sistema de Saúde aqui, confiscar um dinheiro para quitar velhas dívidas ali, cortar o fornecimento de energia por falta de pagamento acolá.
As coisas só começam a ficar esquisitas é quando as falhas que justificam as ações corretivas – ou coercitivas – ocorrem todas em administrações oposicionistas, notadamente naquelas onde residem acentuados interesses eleitorais do interventor em questão, o Governo federal.
Senão vejamos. A Prefeitura do Rio de Janeiro, em cujos hospitais a União interveio, é ocupada por um adversário político do PT, o candidato já lançado à Presidência da República pelo PFL, Cesar Maia.
O Governo de São Paulo, de cujo caixa o Ministério da Fazenda seqüestou R$ 57 milhões a título de quitação de parte das dívidas da antiga companhia de aviação do estado, a Vasp, é comandado por um adversário do PT e possível candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin.
A Prefeitura de São Paulo, de cujos prédios o fornecimento de energia foi cortado abruptamente por uma empresa (AES Eletropaulo) com substancial participação acionária (49%) no BNDES, tem à sua frente um adversário do PT, o integrante das pesquisas com índices de maior aceitação (33%) entre todos os possíveis contendores de Luiz Inácio da Silva em 2006, José Serra.
Perfeitamente plausível a hipótese de ser tudo só uma coincidência: a concentração dos episódios no tempo e no espaço, os personagens atingidos, a ausência de isonomia com outras localidades nos critérios das decisões e até o mote das ações, centrado em questões atinentes à vida do cidadão.
Sabe-se – e por isso aqui estabelece-se de novo uma coincidência – que esse será exatamente o ponto que a oposição pretende atacar com mais firmeza na eleição do próximo ano: a eficácia administrativa.
Realmente, nada prova que haja intentos políticos por trás de cada um daqueles gestos.
Por mais que, no caso do Rio, fiquemos pensando por que os hospitais federais na cidade continuam à matroca sem merecer a mesma atenção; por mais que chamem atenção o zelo federal com a Saúde no Rio e a completa indiferença do ministro Humberto Costa a pedidos de providências na área feitos pelo Ministério Público em regiões onde o PT mantém acordos de natureza política com o governante local.
Há exemplos objetivos e o quanto antes dedicaremos espaço exclusivo a eles.
Mas, ainda que estejamos assistindo só a um momento especialmente dinâmico do Governo federal – e é bom ver as pessoas mostrando serviço –, ainda assim conviria que governantes de todos os matizes – regionais, partidários e ideológicos – ficassem atentos às movimentações.
De repente, quem sabe, com elas o Governo federal pode estar querendo na realidade é passar um recado àqueles titulares de administrações mais dependentes da União.
Quem está com a casa razoavelmente arrumada – é o caso de Alckmin, Cesar Maia e até de Aécio Neves, em Minas Gerais – não tem o que temer em termos financeiros, embora fique exposto à desmoralização.
Mas os outros, governos e prefeituras que não vivem sem a boa vontade da Fazenda, podem estar assistindo agora a exibições de caráter exemplar, iniciadas com antecedência, justamente de forma a dar tempo a cada um para pesar e mediar suas conveniências administrativas antes de expor suas preferências eleitorais.
O Governo federal está sinalizando disposição ao jogo pesado, dizendo que toda independência pode ser devidamente castigada. Nada de novo, visto que essa tática já era pelo próprio PT antecipada quando, meses depois de Lula eleito, já se falava na estratégia para a reeleição.
Calças-justas
Há, no PMDB e no Palácio do Planalto, gente andando de calças justíssimas por causa do recém-nomeado ministro da Previdência, Romero Jucá, que ainda não conseguiu se explicar direito sobre processo por ter oferecido garantias falsas para obtenção de empréstimo no Banco da Amazônia.
Ninguém sabe se a denuncia prosperará, se a situação se agravará ou se, como não raro ocorre, tudo em breve se acalmará. De qualquer modo, os espíritos já se preparam para o pior: o cenário do escândalo de natureza ética, tudo o que o Governo Lula não precisa.
O Governo fica em dificuldades para espetar a conta de Jucá só no PMDB, dado que aceitou a indicação, tinha conhecimento daqueles e outros processos e a nomeação foi feita em atenção direta ao presidente do Senado, Renan Calheiros, avalista (no sentido político) de Romero Jucá.
Aliás, no item probidade já é a terceira aposta algo discutível feita por Calheiros. As outras duas foram o recém-demitido presidente do INSS, Carlos Bezerra – cuja lisura é tema corrente mesmo dentro do PMDB –, e anteriormente o senador Luiz Otávio.
Foi Calheiros quem indicou – e levou o Governo em princípio a apoiar – o senador investigado por desvio de recursos públicos para uma vaga no Tribunal de Contas da União.
Entrevista:O Estado inteligente
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