Não pretendia retornar ao tema racismo. Porém esse carnaval em torno do caso Desábato-Grafite me obriga a isso.
Grupos e comunidades têm códigos de conduta específicos -adequados ou impróprios. Fazem parte dos códigos e condutas do futebol a ofensa em campo, no caso de jogos mais disputados, e, em geral, a confraternização posterior. Guerreiam em campo, mas há solidariedade de classe. O repertório de ofensas costuma incluir referências à sexualidade, à origem, à raça, à cor e à própria mãe do adversário. Se Desábato falou "negro de merda", tem tanto significado quanto tivesse falado "brasileiro de merda", ou, para outras circunstâncias, "judeu de merda", "turquinho de merda". "Brasileiro de merda" pode; "Negro de merda" dá cana e algema. É o fim!
É evidente, para quem quisesse ver, que não se tratava de caso clássico de racismo -como barrar uma pessoa de outra raça ou classe em um ambiente social, discriminá-la no trabalho ou obrigá-la a entrar pelo elevador de serviços do prédio.
Esse episódio se insere claramente nas disputas que ocorrem em jogos de futebol. Mais ainda: em jogos de futebol entre Brasil e Argentina. E aí salta à vista a enorme desinformação dos comentaristas esportivos sobre seu próprio poder de influência no imaginário popular. Quando Galvão Bueno explicita seu antiargentinismo para milhões de pessoas em todo o país, o faz com a mesma sem-cerimônia que como se falasse para a rádio de Camanducaia. E o mesmo deve ocorrer com os comentaristas esportivos argentinos.
Durante muito tempo, as relações entre brasileiros e argentinos foram prejudicadas por esse tipo de atuação dos comentaristas esportivos de ambos os países. Não se lhes vá exigir conhecimento de geopolítica ou sensibilidade para entender os aspectos maléficos da xenofobia. Mas há que ter um mínimo de semancol para sua responsabilidade social de falar para milhões de pessoas.
Há uma disputa histórica entre ambos os países, que vem do século 19, das investidas de comerciantes portugueses na Argentina à Independência do Paraguai, depois de uma derrota da Corte brasileira, às escaramuças entre Perón e o Brasil, que levaram, no pós-guerra, à interrupção da exportação de petróleo da Argentina para o Brasil e a ameaças de expropriação de refinarias gaúchas que contavam com capital argentino e até a um início de corrida nuclear.
Depois, houve a reaproximação entre ambos os governos, mas em torno do tema vergonhoso: operações clandestinas de repressão política.
Aproximação virtuosa
Nos últimos anos, no entanto, com o próprio fracasso da política de Menem -extremamente subordinada aos Estados Unidos-, abriram-se possibilidades inéditas de aproximação entre os dois países. Quando se visita a Argentina, hoje em dia, há um quadro totalmente diverso de anos atrás, tanto entre intelectuais como entre o cidadão comum. Fala-se no Brasil não apenas com simpatia mas como esperança. É um momento relevante para a criação de condições inéditas de parceria para o desenvolvimento.
É evidente que esse processo tem muitas arestas a serem aparadas. Há um presidente argentino cabeça-dura, escaramuças naturais entre empresários dos dois países.
De repente, em uma cena absolutamente banal em jogo de futebol, um delegado exibicionista, insuflado por comentaristas de futebol, algema um jogador e o mantém preso em uma delegacia. E, agora, pretende-se transformar Grafite em mártir do racismo, expondo-o até perante seus próprios colegas jogadores, confundindo deliberadamente o episódio com manifestações explícitas de racismo no futebol que vêm ocorrendo na Europa.
É um incidente que afeta, de alguma maneira, as relações entre os povos dos dois países, que expõe à represália clubes e jogadores brasileiros que forem jogar na Argentina.
É um episódio tão escandalosamente demagógico quanto as represálias aos turistas norte-americanos, de tempos atrás. Racismo existiu, sim, mas contra os vizinhos argentinos.
FOLHA DE S PAULO
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, abril 24, 2005
LUÍS NASSIF Racismo esportivo
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