Tancredo Neves morreu de:1. Diverticulite.2. Leiomioma.3. Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica.
4. Tumor no intestino associado à síndrome acima.
5. Bacteremia.
Todos esses males, isolados ou somados, foram citados nos últimos dias, numa revisão tardia e confusa da angústia que tomou conta do Brasil em 1985, quando o presidente eleito adoeceu.
O líder estava mal e o país não estava se sentindo nada bem: eram fortes os rumores de uma conspiração militar para impedir a posse daquele civil, o primeiro a presidir o Brasil na consumação do processo de abertura política iniciado, com grande dificuldade e não poucos recuos, pelo general Ernesto Geisel.
Quando assentou a poeira, viu-se que a quartelada era mais conversa do que plano conseqüente. Mas essa certeza chegou tarde demais para impedir uma outra conspiração (que a família Neves insiste em desmentir): a tentativa de fingir que a enfermidade do presidente eleito era bem menos grave do que na realidade — dada a premissa (falsa) de que os militares (ou uns militares, nunca se saberá) não dariam posse ao vice-presidente eleito, José Sarney.
Os fatos políticos já pertencem à História. A contribuição dos médicos para a farsa sobre o estado do presidente eleito ainda precisa ser discutida — ou, se preferem, necropsiada. Para decidir questão de enunciado simples e complexas conseqüências: é lícito e honesto que o médico forneça falsos diagnósticos, por melhores que sejam suas intenções?
De um deles, o patologista Élcio Mizziara, o “Fantástico” colheu extraordinária confissão: “Eu disse: olha, eu posso fazer alguma coisa que contraria o código de ética médica, mas considerando a situação atual, o medo que nós não tenhamos a posse do presidente...”
O doutor propôs mentir sobre a saúde de seu paciente, em nome de um objetivo político. A sua mentira e outras vingaram. Culminou numa patética foto que mostra Tancredo, ao lado de d. Risoleta, cercado de médicos, usando calças, casaco e fular (para esconder a fiação). Parecia prova de saúde. Era uma fraude. Com supostos bons motivos políticos — embora a posse e o tranqüilo governo Sarney viessem a indicar que a encenação fora tão desnecessária quanto grotesca — sem falar no sofrimento físico do presidente agonizante. Sua participação voluntária em nada reduz a responsabilidade dos encenadores da farsa.
Tanto a foto quanto a espantosa declaração do patologista (que dificilmente estaria agindo isoladamente) mostram a medicina a serviço de fins políticos. O precedente é assustador: na primeira vez, os motivos podem ser os melhores. Na quarta ou na décima-quarta, quem garante?
A melancólica visita à agonia de Tancredo Neves mostra a necessidade de uma profilática incursão pelos desvios e desvãos da ética médica.
Com especial atenção por ações e decisões abençoadas pelos melhores motivos.
O GLOBO
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