O governo brasileiro está a centímetros de praticar uma conduta internacional inúmeras vezes condenada pelo Brasil: a ingerência em crise alheia. O risco não decorre do asilo dado, na residência do embaixador brasileiro em Quito, ao presidente deposto do Equador, o enganador Lucio Gutiérrez. O risco provém da desenvoltura arrogante, tão parecida com atitudes comuns nos governos dos Estados Unidos, adotada pelo governo brasileiro em relação à crise e ao próprio Equador.
Ao ministro de Relações Exteriores não cabe emitir avaliações jurídicas, tanto mais se a partir de dados ainda precários, sobre o que se passa em outro país, como fez Celso Amorim ao proclamar que a deposição de Gutiérrez "não foi de acordo com o texto da Constituição equatoriana". Pela voz de ministros falam os governos. E a sentença de Celso Amorim teve o mesmo sentido deplorável, mas corriqueiro, da concomitante advertência feita pela secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, de que seu país deseja "um pronto processo constitucional que conduza à eleição" de novo presidente.
A face prática do excesso brasileiro de desenvoltura, à maneira de certas potências, mostra-se nas providências para a ida de Celso Amorim a Quito. Mesmo que resultem bem, as articulações para que o ministro se acompanhe de representantes do Peru e da Bolívia podem fantasiar a aparência da viagem, mas não lhe atenuam o despropósito. Quito está convulsionada e o cerco popular à embaixada residencial brasileira, para protestos exaltados contra o abrigo a Gutiérrez e impedir sua saída, é um problema grave, que não precisa extrapolar com algum incidente, bem possível, envolvendo o ministro brasileiro. Se houver, o que terá pensado em fazer esta "potência emergente", supondo-se que tenha refletido a respeito do risco óbvio?
A idéia da viagem é o seguimento do excesso já presente na providência inicial do governo brasileiro. Despachar um Boeing da Presidência para Quito, tão logo Gutiérrez se recolheu em asilo na residência brasileira, foi açodamento autoritário, com desprezo ao necessário protocolo do salvo-conduto dado pelos poderes equatorianos, para a saída de Gutiérrez. Um incidente talvez perigoso foi evitado graças à FAB, ao cumprir a convenção de pedir ao controle aeronáutico equatoriano a autorização para entrar no espaço aéreo do país. O Boeing recebeu uma negativa e pousou no Acre.
Frustrada a precipitação desrespeitosa, o governo explicou que apenas pretendia ter o avião já próximo do Equador, para retirar Gutiérrez assim que confirmado o salvo-conduto. A explicação não é verdadeira. Primeiro, porque a diferença será insignificante, de tão poucas horas que não justificam a antecipação. Além disso, porque houve o pedido de incursão no espaço aéreo equatoriano, demonstrativo de que o Boeing saiu para Quito e não para o Acre.
A concessão de asilo não significa necessariamente, como disse Celso Amorim, "apoio, simpatia ou preferência". Se bem que apoio e simpatia o governo Lula tenha esbanjado com Gutiérrez. O que, no caso, dá à concessão tradicional do asilo político uma peculiaridade que o Itamaraty está ignorando: para os equatorianos, o asilo que protege Gutiérrez de possíveis ações judiciais é, sim, a continuidade do apoio brasileiro, expresso política e pessoalmente pelo próprio Lula, ao presidente que, eleito para reformas sociais, governou para o poder econômico. E foi deposto pelo povo nas ruas, com a subseqüente sanção do Congresso.
FOLHA DE S PAULO
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, abril 24, 2005
JANIO DE FREITAS:Sonho de potência
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