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sábado, abril 30, 2005
O dia em que o jornalismo político morreu
Por Rui Nogueira
Tem nome o grande vitorioso da primeira entrevista coletiva concedida pelo presidente da República com dois anos e quatro meses de governo. O vencedor foi o secretário de Imprensa e porta-voz do Planalto, o jornalista e cientista político André Singer. Ele estava certo em insistir que Lula aceitasse a empreitada, e tudo indica que o acerto decorreu de uma não menos correta avaliação prévia, a de que jornalismo político está morto, mas ainda faltava enterrá-lo.
A solenidade fúnebre foi nesta sexta, no 2º andar do Palácio do Planalto.
Uma imprensa abduzida foi "fuuunnndo" no interrogatório com respostas que só podiam ser as que o presidente deu. O fato político mais marcante do ano, a vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) e a acachapante derrota do governo na disputa pela presidência da Câmara, foi apresentado com duas informações falsas. Assim, ao vivo, pela TV e para todo o país.
Primeira informação falsa: a de que a Câmara passou a "andar em ritmo lento" depois da vitória de Severino. Foi o contrário. Os resultados das decisões tomadas pelos deputados podem não ser do agrado do governo ou da oposição, mas uma coisa é certa: o ritmo acelerou tanto que o governo ficou zonzo, foi derrotado na votação da MP 232 e levado a reboque na votação da Lei de Biossegurança e em outras votações. Depois, por causa da morte do papa João Paulo 2º e das medidas provisórias (responsabilidade do Executivo, não de Severino) que trancaram a pauta, aconteceu o óbvio: a Câmara parou. Segunda informação falsa: a de que o governo foi derrotado na votação da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social) depois que Severino assumiu. A vontade de defender o Executivo e satanizar o Legislativo era evidente.
A influência de Severino Cavalcanti nas votações de comissões do projeto que expande os benefícios da Loas – e pode estourar o Orçamento da União em até mais R$ 26 bilhões – é a mesma influência das lagartixas de jardim sobre as marés dos oceanos. Nenhuma. Os fatos, ora, os fatos.
Nada disso foi esclarecido, e Lula, mais uma vez, cuidou de dar a serventia merecida ao assunto. Ao tratar a derrota do PT como um "azar", o presidente distanciou-se um pouco mais do seu partido e aprofundou a mensagem que lhe interessava: Palocci, sim; PT, deixa pra lá. A área política atrapalha, e o sonho é governar sem ela. Congresso parado com as medidas provisórias foi assunto que não entrou em pauta.
O que a mídia e o presidente queriam era tratar de juros, mais juros e juros reais, de empréstimos consignados e dos perigosos juros (mais uma vez) dos cheques especiais, do salário mínimo, do salário dos servidores públicos e do soldo dos militares, da insegurança pública no Rio e no resto do país, das relações EUA-Venezuela, da situação jurídico-administrativa do ministro Romero Jucá (Previdência Social) e do "ministro" do BC, Henrique Meirelles, das rodovias esburacadas, do controle da inflação e da importância de mirar o centro da meta, além da intimidade "unha e carne" do presidente com o ministro Antonio Palocci (Fazenda).
Soubemos, ainda, que o presidente dorme tranqüilo e de consciência leve por tudo o que já fez para melhorar a vida dos brasileiros. A pergunta que mereceu essa resposta foi o único momento em que o presidente Lula demonstrou uma leve irritação. O repórter quis saber se ele dormia direito apesar de o governo do PT gastar mais com o pagamento de juros do que em investimentos em infra-estrutura. O presidente tinha tudo, realmente, para se incomodar com a pergunta, como mostra o economista José Roberto Afonso.
"A conta dos juros subiu muito mais que o aumento do superávit. No último biênio de FHC, foi 7,2% do PIB; já no primeiro triênio de Lula, foi de 9,6% do PIB. Ou seja, no governo Lula, na média, se gastou 2,4% do PIB a mais com os juros da dívida. Nunca os governos do país gastaram tanto com juros no pós-guerra, e é curioso que Lula só fala em taxa, mas não diz que o mais importante é a despesa, que decorre da aplicação de uma taxa sobre um estoque de dívida, que no governo dele é muito grande", explica o economista.
Nem o "golpe Alencar" chamou a atenção dos jornalistas. Lula confessou que o empresário José Alencar (PL-MG) virou vice para ser usado, na campanha de 2002, como porta-voz de uma política antijuros altos que o futuro presidente da República prometia pôr em prática. Na boca do metalúrgico e sindicalista Lula, seria mais difícil produzir o convencimento necessário. A promessa era de fazer um "governo da produção", o que redundou em um governo da agiotagem.
Que país é este em que vivemos, que capital da política é essa Brasília dos mapas e em que mundo vivem nossos jornalistas para que nem José Dirceu, Waldomiro Diniz e Aldo Rebelo tenham sido mencionados? Os jornalistas que fazem a cobertura de política e moram em Brasília não tinham uma mísera pergunta sobre reforma ministerial?! O PP de Severino vai ganhar o ministério? E Roseana Sarney? E a coalizão político-partidária que não consegue virar coalizão governamental por mais concessões fisiológicas que o Planalto lhe faça?
Precisava mesmo comprar o Aerolula? E o reequipamento da Força Área? E o programa nuclear? E a aliança para a reeleição, em 2006? E a verticalização das alianças? E como é que se faz uma intervenção do Rio que é derrubada unanimemente pelo Supremo (STF)?
Com Lula, o Brasil governa-se sem política. Falou-se muito dos ministros que regem a economia: Palocci, Furlan, Roberto Rodrigues e Celso Amorim, que também cuidam de negociações comerciais. Tocou-se, de maneira bem lateral, no nome de Márcio Thomaz Bastos, da Justiça. E o partido do presidente, o PT? E presidente do PT, José Genoino?
Lembrei-me de tantos assuntos políticos que sou obrigado a concluir: morremos sem graça e de graça, oferecendo a cabeça na bandeja. Foi o presidente quem introduziu no dicionário político o "traseiro", mas, mesmo assim, ninguém tocou no assunto. Pelo lado escatológico? Não, pelo lado político.
Luiz Inácio Lula da Silva agradece o "confronto" que lhe proporcionamos e imagina, envolto em incontida felicidade, o que será a campanha de 2006. Parabéns, André Singer.
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