Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 27, 2005

AUGUSTO NUNES:O Aerolula pousa no mundo da Lua



O casal é sempre jovem, bonito e bem trajado. Nunca entra na fila que não há. Quem espera é o gerente da agência bancária, solícito e risonho como comissária de bordo em serviço na primeira classe. Moço também, o anfitrião exibe a fisionomia segura dos que acrescentaram anos de experiência prática à vocação forjada no útero. Ali está alguém nascido para lidar com dinheiro.

Apresentado às aflições do casal, reage com o sorriso que tranqüiliza: só isso?, parece estar perguntando. Pois basta assinar uns poucos papéis e todos os problemas estarão revogados. Cartões de crédito, talões de cheques ou empréstimos são aprovados em velocidade supersônica. Os juros não assustam, as tarifas e taxas são quase simbólicas. À saída da agência, a felicidade dos novos clientes é um convite irresistível ao espectador: conheça o mundo maravilhoso dos bancos. É só encontrar o certo.

Assim são as coisas na TV. Nunca na vida real. Aquelas cenas do comercial exigem talento dos atores que encarnam os recém-casados e o gerente: eles sabem que aquilo é pura fantasia. No Brasil de verdade, entrar numa agência bancária é o começo do calvário feito de filas, humores oscilantes, exigências em demasia, tarifas extorsivas, juros de agiota. É complicado mudar de banco ou trocar de cartão. Sabem disso todos os brasileiros com mais de três neurônios. Menos um: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ele acredita nos comerciais da TV. É a mais branda das explicações para a bofetada no rosto do Brasil desferida pelo afrontoso discurso improvisado na segunda-feira. Em Brasília, Lula afirmou que os juros estão na estratosfera graças a um defeito de fabricação. "O problema é o comodismo dos brasileiros", decidiu. Para deixar tudo muito claro, recorreu a exemplos vulgares e termos chulos. "Às vezes o cara fica no bar, xingando o banco, os juros, o cartão de crédito dele, mas no dia seguinte é incapaz de levantar o traseiro da cadeira e ir ao banco mudar sua conta para um mais barato", decidiu.

Mostrou-se especialmente irritado com a turma dos cartões de crédito: "Se as pessoas tivessem consciência, ninguém pagava 8% ao mês", concluiu. Provavelmente ignora que a taxa cobrada pelo Banco do Brasil está em 7,99% ao mês, no limite da inconsciência. Os clientes que se cuidem.

As declarações do presidente conduzem a constatações interessantes. Sabe-se agora que há muito tempo Lula não freqüenta bancos nem confere extratos de cartão: alguém de confiança administra por ele questões miúdas demais para quem precisa salvar a nação. O presidente freqüenta só banqueiros, em encontros suavizados pelo som de taças que brindam. Nessas reuniões, Lula não procura informar-se sobre os temas que inspiraram o improviso infeliz.

Se fizesse perguntas, os próprios banqueiros lhe teriam contado que cartões de crédito se vão disseminando em ritmo acelerado também entre a gente pobre. Não se limitam às "classes mais sabidas", como imagina Lula. Outras obviedades podem chegar aos tímpanos do chefe pela voz de assessores menos insinceros. Alguém tem de explicar-lhe que só se rende a taxas abusivas quem não consegue dinheiro para saldar a dívida na data de vencimento. Que os juros foram levados à estratosfera pelo Banco Central. Que os banqueiros surfam em ondas criadas pela política econômica federal. Que a culpa, enfim, é do governo.

Como se lidasse com imbecis irremissíveis, Lula tenta responsabilizar os atropelados pelos danos infligidos por atropeladores que não costumam prestar atenção à gente das ruas. É possível que, na volta da África, o Aerolula tenha perdido o rumo e pousado bem longe do Brasil. Lula desceu no mundo da Lua.

JB

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