Entrevista:O Estado inteligente
O GLOBO- Miriam Leitão:O outro lado do Rio
A Polícia Militar de Minas Gerais, armada e uniformizada, entrou no palco do Canecão sob aplausos discretos e saiu sob entusiasmada ovação da platéia de pé. Foi na terça à noite, no aniversário do AfroReggae, grupo cultural que surgiu após a chacina de Vigário Geral. Ver policiais dançando e produzindo um som que nasceu entre negros e favelados do Rio deu esperança. Quem sabe será possível vencer a violência algum dia? Antes de a semana terminar, o Rio viu uma chacina ainda pior do que aquela que faz 12 anos este ano. E o sentimento de desesperança e impotência voltou.
Será que o Rio está condenado a virar uma Bogotá? Tomara que sim. Segundo um artigo publicado aqui no GLOBO, pelo professor Gláucio Soares, do Iuperj, Bogotá está reduzindo o número de homicídios com boas políticas públicas e persistência. O artigo sustenta que: “Tem jeito sim!”
Em 93, Bogotá tinha uma taxa de 80 homicídios por 100 mil habitantes. Caiu para 23,4 em 2003. Uma queda de 71%. “Três medidas contribuíram para essa redução: a reforma radical da polícia, o desarmamento e a proibição de venda de bebidas alcoólicas após uma da manhã”. Outro ponto da receita, conta Gláucio, seria muito bem-vindo ao Rio: as políticas adotadas pelas autoridades não eram as de um prefeito ou de um governador, mas consideradas políticas de Estado.
Outras cidades no mundo reduziram a violência. A Chicago dos filmes existiu um dia. Nova York, com a política de tolerância zero, reduziu a criminalidade. O crime não é uma força invencível que vai minando as cidades dia-a-dia até torná-las ingovernáveis, primitivas e selvagens. A sensação que se vive no Rio é de derrota, mas a socióloga Julita Lemgruber recomenda que olhemos as boas histórias:
— As histórias recentes de Nova York e Los Angeles dão esperança. Em todas elas, uma das variáveis determinantes foi a limpeza da polícia, esse é o ponto central. Aqui, se esta operação “Navalha na carne”, que está sendo feita, fosse para valer, esses policiais não teriam coragem de cometer esses absurdos. A chacina vem da sensação de impunidade total.
As estatísticas americanas de violência mostram que houve um aumento do número de homicídios em cidades populosas no começo da década de 90. Depois disso, em todas elas, houve queda (veja gráfico).
Um dos caminhos para enfrentar a violência é o mesmo trilhado para enfrentar qualquer impasse econômico e social: estudar os casos de sucesso, fazer comparações internacionais, mobilizar inteligências que consigam adaptar ao país o que deu certo em outros países e cidades.
Na terça-feira, no Canecão, a exibição da Polícia Militar foi preparada para surpreender. Mas não foi improvisada. É o resultado do trabalho do ano passado inteiro entre o AfroReggae e a Polícia de Minas. Foi feito lá porque o governo do Rio não quis o projeto. O objetivo era reduzir o conflito entre jovens da periferia e polícia; quebrar preconceitos. Eles entraram com seus instrumentos de percussão reproduzindo o som inventado pelo AfroReggae e dançando. Ao fim, dois policiais e uma policial subiram nos tambores e, dançando, abriram a camisa do uniforme da polícia, revelando embaixo a camiseta do AfroReggae.
O show era uma ponte entre contrários, como os dois apresentadores, de cores opostas: Fernandinha Abreu e Marcelo Red; ou o palco dividido entre a banda do AfroReggae e a Orquestra Sinfônica. Na platéia, também a convivência de quem anda separado pelos absurdos do Rio. Negueba, o vocalista da banda, perguntou:
— Onde está a galera de Parada de Lucas?
Um coro de gritos animados respondeu da platéia.
— E a galera de Vigário Geral?
Mais coro de gritos animados dos jovens.
As duas favelas são controladas por facções rivais e os cidadãos de um lado não podem atravessar a fronteira para o outro lado.
— Aqui não tem Comando Vermelho, Terceiro Comando, aqui tem Parada de Lucas e Vigário Geral juntos! Nós lutamos pelo direito de ir e vir! — disse Negueba.
As tantas misturas do Canecão naquela noite produziam esperança em quem esteve na festa. Ontem, o choque e o horror da chacina da Baixada Fluminense lembravam o outro lado do Rio. No ano passado, o número de pessoas assassinadas no Estado do Rio foi cinco vezes maior do que o de soldados americanos mortos na guerra do Iraque.
Mas outras cidades viveram momentos trágicos e surtos de violência, outros países têm casos de sucesso a contar. É possível lidar com o problema. Há de ser possível aqui.
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