23.04.2005 | O governo italiano transmitiu ao Itamaraty, com a discrição que impera em áreas sobremodo sensíveis, o desconforto provocado pelo desempenho do embaixador Itamar Franco, chefe da representação brasileira em Roma. Não, o belicoso ex-presidente não tem saído no braço com os barulhentos freqüentadores da Piazza Navona, endereço do Palazzo Pamphilli, sede da embaixada. Tampouco fez algo que pudesse prejudicar as relações entre o Brasil e a Itália. Nem para melhorá-las.
Esse é o problema: Itamar Franco não faz rigorosamente nada. Não costura acordos comerciais, não tenta estreitar parcerias políticas, não estimula a difusão da cultura tropical, não reivindica alterações nas leis que regulamentam a concessão da cidadania italiana a brasileiros descendentes de imigrantes. Nessa nova temporada européia, limita-se a ampliar milhagens aéreas em viagens a Brasília, prolongadas por visitas a Minas Gerais. Aparentemente, não gosta da vida em Roma.
O apoio logístico à disposição do embaixador é coisa de primeira. Para assessorá-lo, sobram diplomatas profissionais e assessores escolhidos pelo chefe. Mas também sobra preguiça, e é provavelmente essa a raiz do problema. Os encarregados da política externa do governo italiano gostariam de ter em Roma alguém mais expedito, mais ativo, menos cansado de guerra.
Em contrapartida, Cuba ganhou do Brasil o embaixador que Fidel pediria a Lênin: o ex-deputado Tilden Santiago. Desempregado em 2002 pelas urnas de Minas, foi conduzido ao início da fila dos que mereciam recompensa por ferimento em combate. Ex-padre, ex-jornalista, no PT desde a fundação, informou aos altos companheiros que, já sessentão, gostaria de conviver mais estreitamente com a filha, estudante de Medicina em Cuba. Virou embaixador.
Está feliz da vida. Aos 64 anos, ganha salários de US$ 12 mil (mais de R$ 28 mil, pelo câmbio da semana). Essa pequena fortuna embolsada mensalmente o transforma num dos poucos homens ricos de Cuba. E tem privilégios adicionais: casa, carro e cachos de passagens aéreas.
Adaptou-se à ilha de tal modo que acabou por adquirir uma doença antes restrita ao mundo da dupla espionagem: chama-se "esquizofrenia binacional". Os documentos garantem que Tilden é embaixador do Brasil. Discursos e gestos alimentam a sensação de que esse marxista irredutível é embaixador de Cuba.
Há meses, em Havana, defendeu publicamente a execução de adversários do regime que haviam tentado fugir num barco. "Fidel precisa defender-se da desestabilização provocada pelos Estados Unidos", declarou. Como até Lula ficou constrangido, o embaixador explicou que não fora corretamente compreendido. E mais não disse.
Há dias, em Brasília, brilhou no encontro promovido pelo Movimento PT, ala do partido a que pertence. Sob ovações da platéia, Tilden Santiago criticou com aspereza a política econômica do governo, fez duros reparos à direção do PT, exigiu o imediato aumento de verbas para programas sociais e apontou o caminho da salvação: "O Brasil deve adotar como modelo o regime cubano".
Amigos do orador se inquietaram: pelo andar da carruagem, Tilden logo seria ex-embaixador. "Lula não é pequeno", retrucou com voz serena. "Ele conhece meus pontos de vista. E tive o cuidado de comunicar o tom do discurso ao Zé Dirceu."
O gesto atesta que Tilden, além de cauteloso quando convém, é homem esperto. O ministro José Dirceu é um apaixonado pela ilha que o abrigou nos tempos de exílio. Ali fez cursinho de guerrilheiro e ficou amigo de Fidel Castro. O ditador ainda o chama de Daniel, codinome do combatente aprendiz. Dirceu considera Fidel "uma espécie de segundo pai". Quando o encontra, raramente consegue segurar o choro.
Deve ter adorado o discurso.
no mínimo
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